OPÇÕES IDEOPOLÍTICAS E APLICAÇÃO DO FUNDO PÚBLICO EM POLÍTICAS SOCIAIS: UM ESTUDO DOS MUNICÍPIOS DA REGIÃO FUNCIONAL 7 (RS - BRASIL)
Edemar Rotta[1]
Universidade Federal da Fronteira Sul – Brasil
http://orcid.org/0000-0003-1608-7078
Ivan Carlos Lago[2]
Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil
http://orcid.org/0000-0001-9457-714X
Daniela Morais de Lima[3]
Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil
http://orcid.org/0000-0001-5708-5672
Felipe Micail da Silva Smolski[4]
http://orcid.org/0000-0002-1982-3109
Neusa Rossini[5]
Recibido: 06/08/2019
Aprobado: 19/11/2019
Resumo
Este trabalho aborda a relação entre as opções ideopolíticas e a aplicação do fundo público em políticas sociais. O estudo justifica-se na necessidade de compreender os processos de aplicação do fundo público disponível aos municípios a partir das políticas de descentralização da ação do Estado. Analisam-se as possíveis inter-relações entre as opções políticas dos chefes de executivos municipais, a destinação de recursos do orçamento público para as políticas sociais e os indicadores de desenvolvimento dos municípios. Tem-se como referência a abordagem dialética, trabalhando com dados secundários obtidos junto à Secretaria do Tesouro Nacional, ao Tribunal Superior Eleitoral e à Fundação de Economia e Estatística do Estado do Rio Grande do Sul. A interpretação dos dados é realizada com base na análise de conteúdo. Trabalha-se com os 77 municípios da Região Funcional 7, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES/RS), no período de 2004 a 2016. Constata-se que há predominância dos partidos de direita nas gestões municipais; os partidos de esquerda ampliaram sua presença, equiparando-se aos de centro; os partidos de centro são os que menos aplicam em políticas sociais, em grande parte por suas opções mais comprometidas com o ideário neoliberal; existem correlações evidentes entre a ampliação dos valores aplicados em políticas sociais e a melhoria dos indicadores de desenvolvimento, de forma especial os ligados à educação e à saúde. As disputas políticas pelo controle das gestões municipais possuem inflexões diretas nas opções pela aplicação do fundo público, repercutindo também nos indicadores de desenvolvimento.
Palavras-chaves: Ideologia política. Fundo público. Municipios. Política social. Desenvolvimento.
Abstracts
This work addresses the relationship between ideopolitical options and the application of the public fund in social policies. The study is justified in the need to understand the application processes of the public fund available to the municipalities based on the policies of decentralization of State action. We analyze the possible interrelationships between the political options of the heads of municipal executives, the allocation of resources from the public budget for social policies and the development indicators of the municipalities. The dialectical approach is used as reference, working with secondary data obtained from the National Treasury Secretariat, the Superior Electoral Court and the Foundation of Economics and Statistics of the State of Rio Grande do Sul. The interpretation of the data is carried out based on the analysis of content. We work with the 77 municipalities in Functional Region 7, from the Regional Development Councils (COREDES / RS), from 2004 to 2016. It appears that there is a predominance of right-wing parties in municipal administrations; left-wing parties have expanded their presence to match those of the center; the center parties are the ones that least apply social policies, largely because of their options that are more committed to the neoliberal ideology; there are evident correlations between the expansion of the values applied in social policies and the improvement of development indicators, especially those related to education and health. Political disputes for the control of municipal administrations have direct inflections in the options for the application of the public fund, also affecting the development indicators.
Keywords: Political ideology. Public fund. Counties. Social policy. Development.
Introdução
Este trabalho aborda a relação entre as opções ideopolíticas e a aplicação do fundo público em políticas sociais. Busca-se investigar se a opção partidária a qual estão filiados os chefes do executivo municipal interferem ou não na destinação dos recursos do fundo público disponível aos municípios e materializados em seus orçamentos. Foca-se o estudo no caso específico das políticas sociais de educação e cultura, saúde e saneamento, habitação e urbanismo, previdência e assistência e trabalho.
O estudo justifica-se diante da necessidade de compreender os processos de aplicação do fundo público disponível aos municípios a partir das políticas de descentralização da ação do Estado. A partir da Constituição Federal de 1988 o Brasil intensificou o processo de descentralização dos recursos e das competências relativas ao planejamento e à execução de um conjunto expressivo de políticas públicas, com destaque especial para as da área social. No caso do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, foco central dessa pesquisa, os estudos ainda são bastante incipientes (Rotta, 2007), demandando novas investigações que contribuam para a produção de maior clareza dos processos, da aplicação do fundo público e das possíveis inflexões nas dinâmicas de desenvolvimento dos municípios.
Tem-se como objetivo geral deste estudo a análise da inter-relação entre políticas sociais e desenvolvimento, identificando as influências das opções ideopolíticas na definição da aplicação do fundo público disponível aos municípios e suas repercussões na dinâmica de desenvolvimento dos mesmos. Como objetivos específicos propõe-se: realizar o levantamento dos recursos do fundo público aplicado pelos municípios em políticas sociais, no período de 2004 a 2015; o mapeamento das gestões municipais neste período; e as possíveis interfaces da aplicação do fundo público com os indicadores de desenvolvimento dos municípios.
A pesquisa funda-se nos princípios do materialismo dialético (historicidade, contradição, movimento e totalidade), articulando aspectos quantitativos e qualitativos de uma realidade social concreta, a Região Funcional de Planejamento 07 do estado do Rio Grande do Sul. Uma região composta por 77 municípios, agrupados em quatro Conselhos Regionais de Desenvolvimento: Celeiro, Fronteira Noroeste, Missões e Noroeste Colonial. Trabalha-se com dados estatísticos secundários, obtidos a partir de fontes públicas oficiais: Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral e Secretaria do Tesouro Nacional. Delimita-se o período de 2004 a 2016, em razão da possibilidade de trabalhar com, pelo menos, três gestões municipais e ter-se a possibilidade de contar com dados disponíveis de indicadores de desenvolvimento para a análise. Os dados foram trabalhados com o auxílio da técnica de análise de conteúdo.
Além dessa breve introdução, o artigo apresenta, em um primeiro tópico, as referências teóricas que orientam o estudo: a visão das ideologias políticas que orientam os partidos oficialmente registrados no Brasil e a compreensão de fundo público, políticas sociais e desenvolvimento. Em um segundo tópico trabalha-se com os dados obtidos na pesquisa empírica, procurando evidenciá-los a fim de tecer possíveis inferências a partir dos mesmos. Fecha-se o texto apontando algumas evidencias constatadas no estudo e indicando desafios para futuras pesquisas.
Ideologia política, fundo público, políticas sociais e desenvolvimento
A definição dos referenciais teóricos que orientam o estudo se dá a partir da intencionalidade dos pesquisadores ao estabelecer o tema, o problema de pesquisa, os objetivos e a metodologia. Tendo presente tratar-se de uma análise da inter-relação entre políticas sociais e desenvolvimento, identificando as influências das opções ideopolíticas na definição da aplicação do fundo público e suas possíveis repercussões na dinâmica de desenvolvimento dos municípios, identificou-se a necessidade de delimitar as compreensões de ideologia política, fundo público, políticas sociais e desenvolvimento.
Quando se fala em ideologia política, assume-se a definição de Bobbio (1995), que a compreende como “um sistema de crenças ou de valores, que é utilizado na luta política para influir no comportamento das massas, para orientá-las em uma direção em vez de outra, para obter o consenso, enfim, para instituir a legitimidade do poder” (p.129). Nas democracias modernas os partidos políticos são os espaços, por excelência, da luta política. Em suas constituições definem o conjunto de crenças, valores, visões de mundo, ser humano, política e própria democracia, que orientam as suas ações e as dos agentes políticos a eles filiados. Com base na ideologia elaboram seus programas de governo (Braun e Vasconcelos, 2015), por cujo direito de implantar é que disputam eleições.
Bobbio (1995) sustenta ser atual e cientificamente válida a distinção entre os partidos políticos a partir da ideologia que adotam e defendem. Embora as ideologias centrais dos partidos tenham mudado ao longo do tempo, o elemento central de diferenciação entre os partidos está no entendimento que eles possuem em torno dos ideais de liberdade e igualdade: “[…] de um lado estão aqueles que consideram que os homens são mais iguais que desiguais, de outro os que consideram que são mais desiguais que iguais” (Bobbio, 1995: 105). Nesse sentido, o igualitarismo é um elemento distintivo dos partidos de esquerda, ao passo que a noção de liberdade é o principal componente ideológico dos partidos de direita. A partir dessa classificação, posicionamentos intermediários, em alguns casos mais próximos da esquerda, em outros mais próximos da direita, configuram as ideologias de centro.
Embora o debate sobre a classificação dos partidos políticos brasileiros no espectro ideológico seja objeto de discussões, especialmente em função dos elementos e ênfases que podem ser priorizados, há certo consenso sobre sua utilização como ferramenta analítica. Uma das classificações mais recentes e que, portanto, contempla a grande maioria dos partidos políticos ativos no país, é a de Krause, Machado e Miguel (2017). Segundo essa classificação, são partidos de esquerda: PT, PSB, PDT, PCB, PCO, PHS, PMN, PV, PSTU, PCdoB, PPS, PPL e PSOL. No centro estão PSBD e MDB. Por sua vez, são considerados partidos de direita: PTB, DEM, PP, PTC, PRP, PRTB, PSDC, PSL, PTdoB, PTN, PR, PRB, PSD, PSC.
Quando se fala em fundo público se está referindo a um dos instrumentos básicos que o Estado utiliza na implantação das políticas públicas. Ao analisar a compreensão de fundo público e sua mobilização por parte do Estado, Salvador (2012) deixa claro que ele não está restrito, como muitas vezes se pensa, ao orçamento público. Ele abrange “toda a capacidade de mobilização de recursos que o Estado tem para intervir na economia” (p. 07) e nas demais dimensões de organização da sociedade, quer via empresas públicas, política monetária, fiscal e tributária ou orçamento público, visando o desempenho de suas múltiplas funções. Portanto, trata-se de uma visão ampliada dos recursos e instrumentos que o Estado possui para planejar e executar políticas públicas.
Behring (2010), por sua vez, ao refletir sobre o fundo público, ressalta que o mesmo está diretamente ligado a interesses de classe, frações de classe e grupos sociais específicos, sendo sujeito a negociações, nas mais variadas arenas de disputa, na configuração de cada formação social e momento histórico específico. Estes múltiplos interesses materializam-se nas ações dos governos, das instituições e das empresas públicas que lidam diretamente com a concepção e implantação das políticas públicas.
Este estudo está focado em parte específica do fundo público, que é o orçamento disponível aos municípios para ser aplicado na implantação das políticas, quer sejam de sua competência ou delegadas por outras esferas da Federação. Carvalho (2007) refere que o orçamento público é um instrumento de planejamento adotado pela administração pública, em todas as unidades da federação e esferas de poder, no sentido de estimar as receitas e definir as despesas, em determinado exercício financeiro, buscando garantir a continuidade, eficácia, eficiência, efetividade e economicidade dos serviços prestados.
Neste conjunto de serviços prestados à sociedade, as políticas sociais ocupam papel de destaque. Originárias dos embates entre capital e trabalho, elas se afirmaram, ao longo do século XX, na perspectiva de garantir direitos e consolidar relações mediadas entre capital e trabalho, quer pela ação do Estado ou por organizações de classe. Ao analisar posições teóricas presentes nos estudos realizados por profissionais de diferentes áreas do conhecimento a respeito das políticas sociais, bem como experiências concretas de implantação, Castro (2012) demonstra a inexistência de um conceito inequívoco ou consensual a respeito do que seja política social. Diante da multiplicidade de definições, ele aponta para um campo multidisciplinar e com foco central nas ações do Estado, na perspectiva de garantir direitos aos cidadãos. Propõe que se entenda políticas sociais como o “conjunto de programas e ações do Estado que se concretizam na garantia da oferta de bens e serviços, nas transferências de renda e regulação dos elementos do mercado” (p. 1014), com vistas a realizar a proteção e a promoção social, atendendo ao “conjunto de necessidades sociais humanas” (Pfeifer, 2014: 748).
No âmbito dessa pesquisa, trabalha-se com a compreensão de desenvolvimento herdeira do enfoque histórico-estrutural, da tradição brasileira e latino-americana sistematizada nos escritos de Celso Furtado e Raúl Prebisch. Nesta tradição, a ideia de desenvolvimento possui ao menos três dimensões. A primeira aponta para o necessário incremento da eficácia do sistema social de produção, na medida em que o mesmo, mediante a acumulação e o progresso técnico, eleva a produtividade de força de trabalho. A segunda vincula-se à satisfação das necessidades humanas da população, no sentido de garantir a dignidade e promover a cidadania. A terceira reitera a importância de um projeto ideológico de futuro, que estabeleça objetivos claros, definidos na esfera política e a partir de interesses de grupos e classes sociais (Rotta; Lago; Rossini, 2017).
Randolph (2016) reitera que esse projeto social subjacente implica na transformação da realidade em, pelo menos, duas direções. De um lado, pela “exploração de potencialidades já presentes na realidade” (desenvolvimento endógeno, fundado na participação, que pode alargar o potencial de ação da coletividade, a autodeterminação e a liberdade); de outro, pela produção de potencialidades, externamente, “por meio da ativação de recursos materiais e simbólicos inexistentes até então, o que poderia estimular a mobilização de sujeitos sociais e políticos” (p. 53).
No caso brasileiro, percebe-se que o embate entre concepções diferenciadas de desenvolvimento, do papel do Estado, das políticas públicas, das políticas sociais e do fundo público torna-se muito mais intenso[6] a partir do processo de redemocratização, da aprovação da Constituição de 1988, da regulamentação da mesma e da sua implantação nas mais diferentes áreas e esferas da Federação. Neste sentido é que se o estudo de realidades concretas pode contribuir para elucidar estes embates e evidenciar os interesses em disputa, neste caso específico, os que envolvem as gestões municipais. Na sequência apresentam-se os resultados do estudo realizado.
Ideologias políticas e aplicação do fundo público em políticas sociais
Procurando dar conta dos objetivos estabelecidos para a pesquisa, iniciou-se pelo levantamento dos montantes de recursos do fundo público aplicados em políticas sociais no período de 2005 a 2016, nos 77 municípios da Região Funcional 7/RS. Os dados secundários foram obtidos junto à Secretaria do Tesouro Nacional, por acesso eletrônico à base de dados disponível[7]. As planilhas de “gasto por função”, dos 77 municípios integrantes da região selecionada, no período proposto, foram extraídas do sistema da Secretaria do Tesouro Nacional e os dados organizados a partir das áreas de políticas sociais definidas[8]. Depois de organizados, os dados foram atualizados para a data de 31 de dezembro de 2016, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), a fim de possibilitar comparações e análises.
Considerando os dados analisados, percebe-se que os valores totais aplicados em políticas sociais apresentam tendência de crescimento, com leves oscilações de um ano para outro, em alguns municípios, mas sem comprometer o aumento expressivo no período investigado, que ficou na média dos 800%. Os acréscimos mais significativos nos valores aplicados em políticas sociais ocorrem entre 2003 e 2013, período no qual o país apresentou crescimento mais expressivo da economia, com destaque para a agropecuária, a indústria associada à mesma e o setor de serviços. Setores estes que também são as bases da economia da região em estudo. As áreas que concentraram os maiores valores aplicados foram educação e saúde, em grande parte decorrentes do fato de possuírem mínimos legais[9] definidos por lei. As demais áreas, além de ficarem com recursos bem menos expressivos, também apresentam oscilações mais acentuadas em relação aos valores aplicados (Rotta, Lago e Rossini, 2017; Rotta, Lago e Hentges, 2018).
Quando se observam os valores totais aplicados em políticas sociais, na comparação com os valores totais disponíveis no orçamento geral dos municípios, percebe-se que os primeiros crescem em menor proporção do que os segundos (Rotta, Lago e Rossini, 2017). Isso pode representar uma tendência de maior disputa pelo fundo público, o que levou a análises mais detalhadas da composição das gestões municipais em relação às vinculações ideológicas e partidárias para verificar possíveis correlações.
A partir das informações constantes no Tribunal Regional Eleitoral e no Tribunal Superior Eleitoral realizou-se o mapeamento das vinculações partidárias dos prefeitos eleitos nos 77 municípios da Região Funcional 7, para as gestões 2005-2008, 2009-2012 e 2013-2016. Neste mapeamento constatou-se que o Partido Progressista (PP) é o que conquistou o maior número de mandatos (79), seguido pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) com 67, pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) com 34, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com 18 e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 14 mandatos. Os demais repartem os outros 19 mandatos. Esta realidade retrata o cenário do interior do estado do Rio Grande do Sul, no qual as disputas políticas se concentram entre estes cinco partidos.
Para identificar as vinculações ideológicas dos partidos que estiveram à frente dos executivos municipais, neste período, na região em estudo, procedeu-se a classificação dos mesmos seguindo a proposta de Krause, Machado e Miguel (2017), que os agrupa em três grandes espectros ideológicos: direita, centro e esquerda. Os partidos de direita, identificados a do ideário da liberdade; os de esquerda, a partir do igualitarismo; e os de centro, ocupando posições intermediárias, mais próximas à esquerda ou à direita. (Bobbio, 1995).
Figura 01: Mandatos por espectro político – municipios – inicios de mandato
Fonte: TRE (2019); TSE (2019). Dados organizados pelos autores.
Percebe-se a predominância de partidos à direita do espectro político, ao longo de todo o período, seguidos por partidos de centro e esquerda, respectivamente. Chama atenção o crescimento dos partidos de esquerda, em grande parte pelo fato de ser ter, em nível nacional, neste período, a hegemonia dos mesmos ocupando o executivo federal.
Para identificar possíveis influências do espectro político na orientação da aplicação do fundo público em políticas sociais trabalhou-se com os valores totais aplicados ao longo do período, com percentuais e com valores per capita, no sentido de dirimir possíveis interferências ocasionadas pela diferença[10] entre os municípios no que se refere à população e aos valores dos orçamentos disponíveis. Também procurou-se isolar os anos iniciais e finais de cada mandato, tendo presente que, no primeiro ano de mandato, trabalha-se com o orçamento proposto pela gestão anterior e, no último ano, pode-se organizar o orçamento no sentido de priorizar campanha à reeleição.
Quando observados os valores totais aplicados em políticas sociais, ao longo de todo o período, considerando o espectro político, percebe-se que a direita apresenta os maiores valores (R$ 3.155.962.605,92) seguida pela esquerda (R$ 2.693.572.298,84) e pelo centro (R$ 1.379.974.726,85). A posição da direita se justifica por possuírem o maior número de mandatos ao longo de todo o período. Porém, a situação do centro e da esquerda, que invertem posições, pode estar ligada ao fato da esquerda ter conquistado mais mandatos em municípios com maiores orçamentos (Ijuí, Santo Ângelo e Santa Rosa) e o centro estar mais comprometido com as políticas de ajuste de feição neoliberal.
Quando se analisam valores per capita e percentuais aplicados, a influência do espectro político na destinação dos recursos do fundo público torna-se bem mais relativa, especialmente em relação à média geral e aos valores aplicados nas “funções” orçamentárias que possuem legislação regulando percentuais mínimos, como os casos da educação e da saúde. As diferenças são mais significativas quando se olham as “funções” orçamentárias que apresentam maior liberdade na destinação dos recursos ou que dependem mais de projetos próprios ou articulações políticas com as outras esferas da federação, casos específicos de habitação, urbanismo e saneamento básico.
Figura 02: Valores médios per capita aplicados em políticas sociais – meio de mandato
Fonte: Brasil (2013 e 2016). Dados organizados pelos autores.
Para analisar a relação da aplicação do fundo público em políticas sociais com os indicadores de desenvolvimento tomou-se como referência os valores aplicados e o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico para o estado do Rio Grande do Sul (Idese), entre os 2007-2015[11], considerando a mesma unidade de análise, ou seja, os anos do meio dos mandatos. Utilizou-se o coeficiente de correlação de Pearson para medir o grau de associação linear entre duas variáveis quantitativas, tendo como referência a sugestão de Sicsú e Dana (2012) para medir a magnitude do coeficiente de correlação:
Quadro 01 - Intervalos de Correlação e Magnitude do Coeficiente
Correlação |
Magnitude da Correlação |
0,0 < | r | <= 0,3 |
Correlação Fraca |
0,3 < | r | <= 0,7 |
Correlação Moderada |
0,7 < | r | <=1,0 |
Correlação Forte |
Fonte: Adaptado a partir de Sicsú e Dana (2012).
Municípios com coeficientes de correlação (r) entre 0,0 e 0,3 serão classificados com correlação fraca, positiva ou negativa; correlação entre 0,3 e 0,7 serão classificadas como correlações moderadas e, coeficientes de 0,7 a 1,0 serão classificadas como correlação Forte. Contudo, cabe ressaltar que embora existam coeficientes de correlação baixos entre as variáveis, isto não significa que estas estejam dissociadas e; a correlação de duas variáveis não significa causa (Sicsú e Dana, 2012).
Figura 3: Correlação entre políticas sociais per capita e o Idese – meio de mandato
Fonte: Elaborado pelos autores.
Aplicando-se esta metodologia observa-se uma correlação positiva forte em 56 municípios, positiva moderada em 12, positiva fraca em 3, negativa fraca em 4 e negativa moderada em 2 municípios. Isso nos leva a inferir que, na maioria absoluta dos municípios (71), a ampliação dos recursos do fundo público aplicados nas políticas sociais apresentou impacto positivo na melhoria dos indicadores de desenvolvimento. Porém, também se percebe que, mesmo melhorando-se os indicadores gerais de desenvolvimento na grande parte dos municípios, ainda persistem importantes desigualdades entre eles.
Considerações Fináis
O estudo propôs investigar a possível correlação entre o perfil ideopolítico das gestões municipais dos 77 municípios da Região Funcional 7, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (COREDES/RS), no período de 2004 a 2016 e a aplicação do fundo público. Demonstramos que tal correlação é significativa, constituindo-se em importante instrumento de análise das prioridades governamentais e das políticas públicas delas decorrentes. Ficou evidenciado que a vinculação dos gestores municipais, através de seus partidos, aos distintos campos do espectro ideológico (Direita, Centro e Esquerda) é um importante indicador de tendências em termos de priorização dos investimentos e aplicação do fundo público.
Ainda, a pesquisa demonstrou haver importante correlação entre os investimentos do fundo público e os indicadores de desenvolvimento, evidenciando a importância das políticas públicas como instrumento promotor do desenvolvimento. Essa importância assume maior proporção nos pequenos municípios, maioria da região analisada, pois nestes os serviços de saúde, educação, proteção e promoção social geralmente são restritos aos prestados pelo sistema público.
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[1] Pesquisa desenvolvida na Universidade Federal da Fronteira Sul. Apoio PROAP/CAPES e FAPERGS.
[2] Doutor e Pós-Doutor em Serviço Social (PUCRS). Mestre em Sociologia (UFRGS). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Correo: erotta@uffs.edu.br
[3] Doutor e Mestre em Sociologia Política (UFSC). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Correo: ivann@uffs.edu.br
[4] Mestre em Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFFS). Graduado em Economia (UNIJUI). Correo: felipesmolski@hotmail.com
[5] Mestre em Desenvolvimento e Políticas Públicas (UFFS). Graduada em Ciências Contábeis (FEMA). Técnica Administrativa na UFFS.
Correo: neusarossini@uffs.edu.br.
[6] Não desconsiderando os embates anteriores, retratados em Mota (2000) e Carvalho (2002), entre outros.
[7] Entre os anos de 2004 a 2012 os dados das contas municipais eram disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional através da Finanças Brasil – Dados Contábeis do Municípios (FINBRA). A partir de 2013, implantou –se o Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (SICONFI).
[8]Trabalha-se com nove áreas de políticas sociais: educação, cultura, saúde, saneamento, habitação, urbanismo, previdência, assistência social e trabalho. Entende-se que estas representam a quase totalidade (mais de 90%) dos recursos do fundo público aplicado em políticas sociais nos municípios da região.
[9] A Constituição Federal de 1988 define, em seu artigo 212, que os municípios devem aplicar, no mínimo 25% das receitas resultantes de impostos, compreendida também a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento da Educação. No caso da saúde, a Constituição, em seu artigo 198, orienta como deve ser o processo de destinação dos recursos, remetendo à leis ordinárias sua regulamentação, o que ocorreu via Leis Complementares nº 8.080/90, 8.689/93 e 141/2012. Nestas define-se que os municípios devem aplicar, no mínimo 15% dos impostos a que se refere o art. 156, 158 e a alínea “b” do inciso I do caput e o § 3º do art. 159, todos da Constituição Federal.
[10] Dos 77 municípios da região, apenas 4 possuem mais de 40 mil habitantes; três situam-se na faixa de 20 a 39.999 habitantes; e os demais apresentam população inferior a 20 mil habitantes. Os sete maiores apresentam orçamentos mais expressivos por se constituírem em centros ou sub-centros regionais.
[11] Período para o qual os dados do IDESE estão disponíveis em uma mesma metodologia de referência.