OP��ES IDEOPOL�TICAS E APLICA��O DO FUNDO P�BLICO EM POL�TICAS SOCIAIS: UM ESTUDO DOS MUNIC�PIOS DA REGI�O FUNCIONAL 7 (RS - BRASIL)

 

Edemar Rotta[1]

Universidade Federal da Fronteira Sul � Brasil

 http://orcid.org/0000-0003-1608-7078

Ivan Carlos Lago[2]

Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil 

http://orcid.org/0000-0001-9457-714X

Daniela Morais de Lima[3]

Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil 

http://orcid.org/0000-0001-5708-5672

Felipe Micail da Silva Smolski[4]

 http://orcid.org/0000-0002-1982-3109

Neusa Rossini[5]

 

Recibido: 06/08/2019

����������������������� Aprobado: 19/11/2019

Resumo

Este trabalho aborda a rela��o entre as op��es ideopol�ticas e a aplica��o do fundo p�blico em pol�ticas sociais. O estudo justifica-se na necessidade de compreender os processos de aplica��o do fundo p�blico dispon�vel aos munic�pios a partir das pol�ticas de descentraliza��o da a��o do Estado. Analisam-se as poss�veis inter-rela��es entre as op��es pol�ticas dos chefes de executivos municipais, a destina��o de recursos do or�amento p�blico para as pol�ticas sociais e os indicadores de desenvolvimento dos munic�pios. Tem-se como refer�ncia a abordagem dial�tica, trabalhando com dados secund�rios obtidos junto � Secretaria do Tesouro Nacional, ao Tribunal Superior Eleitoral e � Funda��o de Economia e Estat�stica do Estado do Rio Grande do Sul.� A interpreta��o dos dados � realizada com base na an�lise de conte�do. Trabalha-se com os 77 munic�pios da Regi�o Funcional 7, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES/RS), no per�odo de 2004 a 2016. Constata-se que h� predomin�ncia dos partidos de direita nas gest�es municipais; os partidos de esquerda ampliaram sua presen�a, equiparando-se aos de centro; os partidos de centro s�o os que menos aplicam em pol�ticas sociais, em grande parte por suas op��es mais comprometidas com o ide�rio neoliberal; existem correla��es evidentes entre a amplia��o dos valores aplicados em pol�ticas sociais e a melhoria dos indicadores de desenvolvimento, de forma especial os ligados � educa��o e � sa�de. As disputas pol�ticas pelo controle das gest�es municipais possuem inflex�es diretas nas op��es pela aplica��o do fundo p�blico, repercutindo tamb�m nos indicadores de desenvolvimento.

Palavras-chaves: Ideologia pol�tica. Fundo p�blico. Municipios. Pol�tica social. Desenvolvimento.

Abstracts

This work addresses the relationship between ideopolitical options and the application of the public fund in social policies. The study is justified in the need to understand the application processes of the public fund available to the municipalities based on the policies of decentralization of State action. We analyze the possible interrelationships between the political options of the heads of municipal executives, the allocation of resources from the public budget for social policies and the development indicators of the municipalities. The dialectical approach is used as reference, working with secondary data obtained from the National Treasury Secretariat, the Superior Electoral Court and the Foundation of Economics and Statistics of the State of Rio Grande do Sul. The interpretation of the data is carried out based on the analysis of content. We work with the 77 municipalities in Functional Region 7, from the Regional Development Councils (COREDES / RS), from 2004 to 2016. It appears that there is a predominance of right-wing parties in municipal administrations; left-wing parties have expanded their presence to match those of the center; the center parties are the ones that least apply social policies, largely because of their options that are more committed to the neoliberal ideology; there are evident correlations between the expansion of the values ​​applied in social policies and the improvement of development indicators, especially those related to education and health. Political disputes for the control of municipal administrations have direct inflections in the options for the application of the public fund, also affecting the development indicators.

Keywords: Political ideology. Public fund. Counties. Social policy. Development.

Introdu��o

Este trabalho aborda a rela��o entre as op��es ideopol�ticas e a aplica��o do fundo p�blico em pol�ticas sociais. Busca-se investigar se a op��o partid�ria a qual est�o filiados os chefes do executivo municipal interferem ou n�o na destina��o dos recursos do fundo p�blico dispon�vel aos munic�pios e materializados em seus or�amentos. Foca-se o estudo no caso espec�fico das pol�ticas sociais de educa��o e cultura, sa�de e saneamento, habita��o e urbanismo, previd�ncia e assist�ncia e trabalho.

O estudo justifica-se diante da necessidade de compreender os processos de aplica��o do fundo p�blico dispon�vel aos munic�pios a partir das pol�ticas de descentraliza��o da a��o do Estado. A partir da Constitui��o Federal de 1988 o Brasil intensificou o processo de descentraliza��o dos recursos e das compet�ncias relativas ao planejamento e � execu��o de um conjunto expressivo de pol�ticas p�blicas, com destaque especial para as da �rea social. No caso do Noroeste do estado do Rio Grande do Sul, foco central dessa pesquisa, os estudos ainda s�o bastante incipientes (Rotta, 2007), demandando novas investiga��es que contribuam para a produ��o de maior clareza dos processos, da aplica��o do fundo p�blico e das poss�veis inflex�es nas din�micas de desenvolvimento dos munic�pios.

Tem-se como objetivo geral deste estudo a an�lise da inter-rela��o entre pol�ticas sociais e desenvolvimento, identificando as influ�ncias das op��es ideopol�ticas na defini��o da aplica��o do fundo p�blico dispon�vel aos munic�pios e suas repercuss�es na din�mica de desenvolvimento dos mesmos. Como objetivos espec�ficos prop�e-se: realizar o levantamento dos recursos do fundo p�blico aplicado pelos munic�pios em pol�ticas sociais, no per�odo de 2004 a 2015; o mapeamento das gest�es municipais neste per�odo; e as poss�veis interfaces da aplica��o do fundo p�blico com os indicadores de desenvolvimento dos munic�pios.

A pesquisa funda-se nos princ�pios do materialismo dial�tico (historicidade, contradi��o, movimento e totalidade), articulando aspectos quantitativos e qualitativos de uma realidade social concreta, a Regi�o Funcional de Planejamento 07 do estado do Rio Grande do Sul. Uma regi�o composta por 77 munic�pios, agrupados em quatro Conselhos Regionais de Desenvolvimento: Celeiro, Fronteira Noroeste, Miss�es e Noroeste Colonial. Trabalha-se com dados estat�sticos secund�rios, obtidos a partir de fontes p�blicas oficiais: Tribunal Regional Eleitoral, Tribunal Superior Eleitoral e Secretaria do Tesouro Nacional. Delimita-se o per�odo de 2004 a 2016, em raz�o da possibilidade de trabalhar com, pelo menos, tr�s gest�es municipais e ter-se a possibilidade de contar com dados dispon�veis de indicadores de desenvolvimento para a an�lise. Os dados foram trabalhados com o aux�lio da t�cnica de an�lise de conte�do.

Al�m dessa breve introdu��o, o artigo apresenta, em um primeiro t�pico, as refer�ncias te�ricas que orientam o estudo: a vis�o das ideologias pol�ticas que orientam os partidos oficialmente registrados no Brasil e a compreens�o de fundo p�blico, pol�ticas sociais e desenvolvimento. Em um segundo t�pico trabalha-se com os dados obtidos na pesquisa emp�rica, procurando evidenci�-los a fim de tecer poss�veis infer�ncias a partir dos mesmos. Fecha-se o texto apontando algumas evidencias constatadas no estudo e indicando desafios para futuras pesquisas.

 

Ideologia pol�tica, fundo p�blico, pol�ticas sociais e desenvolvimento

����������� A defini��o dos referenciais te�ricos que orientam o estudo se d� a partir da intencionalidade dos pesquisadores ao estabelecer o tema, o problema de pesquisa, os objetivos e a metodologia. Tendo presente tratar-se de uma an�lise da inter-rela��o entre pol�ticas sociais e desenvolvimento, identificando as influ�ncias das op��es ideopol�ticas na defini��o da aplica��o do fundo p�blico e suas poss�veis repercuss�es na din�mica de desenvolvimento dos munic�pios, identificou-se a necessidade de delimitar as compreens�es de ideologia pol�tica, fundo p�blico, pol�ticas sociais e desenvolvimento.

Quando se fala em ideologia pol�tica, assume-se a defini��o de Bobbio (1995), que a compreende como �um sistema de cren�as ou de valores, que � utilizado na luta pol�tica para influir no comportamento das massas, para orient�-las em uma dire��o em vez de outra, para obter o consenso, enfim, para instituir a legitimidade do poder� (p.129).� Nas democracias modernas os partidos pol�ticos s�o os espa�os, por excel�ncia, da luta pol�tica. Em suas constitui��es definem o conjunto de cren�as, valores, vis�es de mundo, ser humano, pol�tica e pr�pria democracia, que orientam as suas a��es e as dos agentes pol�ticos a eles filiados. Com base na ideologia elaboram seus programas de governo (Braun e Vasconcelos, 2015), por cujo direito de implantar � que disputam elei��es.

Bobbio (1995) sustenta ser atual e cientificamente v�lida a distin��o entre os partidos pol�ticos a partir da ideologia que adotam e defendem. Embora as ideologias centrais dos partidos tenham mudado ao longo do tempo, o elemento central de diferencia��o entre os partidos est� no entendimento que eles possuem em torno dos ideais de liberdade e igualdade: �[�] de um lado est�o aqueles que consideram que os homens s�o mais iguais que desiguais, de outro os que consideram que s�o mais desiguais que iguais� (Bobbio, 1995: 105). Nesse sentido, o igualitarismo � um elemento distintivo dos partidos de esquerda, ao passo que a no��o de liberdade � o principal componente ideol�gico dos partidos de direita. A partir dessa classifica��o, posicionamentos intermedi�rios, em alguns casos mais pr�ximos da esquerda, em outros mais pr�ximos da direita, configuram as ideologias de centro.

Embora o debate sobre a classifica��o dos partidos pol�ticos brasileiros no espectro ideol�gico seja objeto de discuss�es, especialmente em fun��o dos elementos e �nfases que podem ser priorizados, h� certo consenso sobre sua utiliza��o como ferramenta anal�tica. Uma das classifica��es mais recentes e que, portanto, contempla a grande maioria dos partidos pol�ticos ativos no pa�s, � a de Krause, Machado e Miguel (2017). Segundo essa classifica��o, s�o partidos de esquerda: PT, PSB, PDT, PCB, PCO, PHS, PMN, PV, PSTU, PCdoB, PPS, PPL e PSOL. No centro est�o PSBD e MDB. Por sua vez, s�o considerados partidos de direita: PTB, DEM, PP, PTC, PRP, PRTB, PSDC, PSL, PTdoB, PTN, PR, PRB, PSD, PSC.

Quando se fala em fundo p�blico se est� referindo a um dos instrumentos b�sicos que o Estado utiliza na implanta��o das pol�ticas p�blicas. Ao analisar a compreens�o de fundo p�blico e sua mobiliza��o por parte do Estado, Salvador (2012) deixa claro que ele n�o est� restrito, como muitas vezes se pensa, ao or�amento p�blico. Ele abrange �toda a capacidade de mobiliza��o de recursos que o Estado tem para intervir na economia� (p. 07) e nas demais dimens�es de organiza��o da sociedade, quer via empresas p�blicas, pol�tica monet�ria, fiscal e tribut�ria ou or�amento p�blico, visando o desempenho de suas m�ltiplas fun��es. Portanto, trata-se de uma vis�o ampliada dos recursos e instrumentos que o Estado possui para planejar e executar pol�ticas p�blicas.

Behring (2010), por sua vez, ao refletir sobre o fundo p�blico, ressalta que o mesmo est� diretamente ligado a interesses de classe, fra��es de classe e grupos sociais espec�ficos, sendo sujeito a negocia��es, nas mais variadas arenas de disputa, na configura��o de cada forma��o social e momento hist�rico espec�fico. Estes m�ltiplos interesses materializam-se nas a��es dos governos, das institui��es e das empresas p�blicas que lidam diretamente com a concep��o e implanta��o das pol�ticas p�blicas.

Este estudo est� focado em parte espec�fica do fundo p�blico, que � o or�amento dispon�vel aos munic�pios para ser aplicado na implanta��o das pol�ticas, quer sejam de sua compet�ncia ou delegadas por outras esferas da Federa��o. Carvalho (2007) refere que o or�amento p�blico � um instrumento de planejamento adotado pela administra��o p�blica, em todas as unidades da federa��o e esferas de poder, no sentido de estimar as receitas e definir as despesas, em determinado exerc�cio financeiro, buscando garantir a continuidade, efic�cia, efici�ncia, efetividade e economicidade dos servi�os prestados.

Neste conjunto de servi�os prestados � sociedade, as pol�ticas sociais ocupam papel de destaque. Origin�rias dos embates entre capital e trabalho, elas se afirmaram, ao longo do s�culo XX, na perspectiva de garantir direitos e consolidar rela��es mediadas entre capital e trabalho, quer pela a��o do Estado ou por organiza��es de classe. Ao analisar posi��es te�ricas presentes nos estudos realizados por profissionais de diferentes �reas do conhecimento a respeito das pol�ticas sociais, bem como experi�ncias concretas de implanta��o, Castro (2012) demonstra a inexist�ncia de um conceito inequ�voco ou consensual a respeito do que seja pol�tica social. Diante da multiplicidade de defini��es, ele aponta para um campo multidisciplinar e com foco central nas a��es do Estado, na perspectiva de garantir direitos aos cidad�os. Prop�e que se entenda pol�ticas sociais como o �conjunto de programas e a��es do Estado que se concretizam na garantia da oferta de bens e servi�os, nas transfer�ncias de renda e regula��o dos elementos do mercado� (p. 1014), com vistas a realizar a prote��o e a promo��o social, atendendo ao �conjunto de necessidades sociais humanas� (Pfeifer, 2014: 748).

No �mbito dessa pesquisa, trabalha-se com a compreens�o de desenvolvimento herdeira do enfoque hist�rico-estrutural, da tradi��o brasileira e latino-americana sistematizada nos escritos de Celso Furtado e Ra�l Prebisch. Nesta tradi��o, a ideia de desenvolvimento possui ao menos tr�s dimens�es. A primeira aponta para o necess�rio incremento da efic�cia do sistema social de produ��o, na medida em que o mesmo, mediante a acumula��o e o progresso t�cnico, eleva a produtividade de for�a de trabalho. A segunda vincula-se � satisfa��o das necessidades humanas da popula��o, no sentido de garantir a dignidade e promover a cidadania. A terceira reitera a import�ncia de um projeto ideol�gico de futuro, que estabele�a objetivos claros, definidos na esfera pol�tica e a partir de interesses de grupos e classes sociais (Rotta; Lago; Rossini, 2017).

Randolph (2016) reitera que esse projeto social subjacente implica na transforma��o da realidade em, pelo menos, duas dire��es. De um lado, pela �explora��o de potencialidades j� presentes na realidade� (desenvolvimento end�geno, fundado na participa��o, que pode alargar o potencial de a��o da coletividade, a autodetermina��o e a liberdade); de outro, pela produ��o de potencialidades, externamente, �por meio da ativa��o de recursos materiais e simb�licos inexistentes at� ent�o, o que poderia estimular a mobiliza��o de sujeitos sociais e pol�ticos� (p. 53).

No caso brasileiro, percebe-se que o embate entre concep��es diferenciadas de desenvolvimento, do papel do Estado, das pol�ticas p�blicas, das pol�ticas sociais e do fundo p�blico torna-se muito mais intenso[6] a partir do processo de redemocratiza��o, da aprova��o da Constitui��o de 1988, da regulamenta��o da mesma e da sua implanta��o nas mais diferentes �reas e esferas da Federa��o. Neste sentido � que se o estudo de realidades concretas pode contribuir para elucidar estes embates e evidenciar os interesses em disputa, neste caso espec�fico, os que envolvem as gest�es municipais. Na sequ�ncia apresentam-se os resultados do estudo realizado.

 

Ideologias pol�ticas e aplica��o do fundo p�blico em pol�ticas sociais

Procurando dar conta dos objetivos estabelecidos para a pesquisa, iniciou-se pelo levantamento dos montantes de recursos do fundo p�blico aplicados em pol�ticas sociais no per�odo de 2005 a 2016, nos 77 munic�pios da Regi�o Funcional 7/RS. Os dados secund�rios foram obtidos junto � Secretaria do Tesouro Nacional, por acesso eletr�nico � base de dados dispon�vel[7]. As planilhas de �gasto por fun��o�, dos 77 munic�pios integrantes da regi�o selecionada, no per�odo proposto, foram extra�das do sistema da Secretaria do Tesouro Nacional e os dados organizados a partir das �reas de pol�ticas sociais definidas[8]. Depois de organizados, os dados foram atualizados para a data de 31 de dezembro de 2016, com base no �ndice Nacional de Pre�os ao Consumidor Amplo (IPCA/IBGE), a fim de possibilitar compara��es e an�lises.

Considerando os dados analisados, percebe-se que os valores totais aplicados em pol�ticas sociais apresentam tend�ncia de crescimento, com leves oscila��es de um ano para outro, em alguns munic�pios, mas sem comprometer o aumento expressivo no per�odo investigado, que ficou na m�dia dos 800%. Os acr�scimos mais significativos nos valores aplicados em pol�ticas sociais ocorrem entre 2003 e 2013, per�odo no qual o pa�s apresentou crescimento mais expressivo da economia, com destaque para a agropecu�ria, a ind�stria associada � mesma e o setor de servi�os. Setores estes que tamb�m s�o as bases da economia da regi�o em estudo. As �reas que concentraram os maiores valores aplicados foram educa��o e sa�de, em grande parte decorrentes do fato de possu�rem m�nimos legais[9] definidos por lei. As demais �reas, al�m de ficarem com recursos bem menos expressivos, tamb�m apresentam oscila��es mais acentuadas em rela��o aos valores aplicados (Rotta, Lago e Rossini, 2017; Rotta, Lago e Hentges, 2018).

Quando se observam os valores totais aplicados em pol�ticas sociais, na compara��o com os valores totais dispon�veis no or�amento geral dos munic�pios, percebe-se que os primeiros crescem em menor propor��o do que os segundos (Rotta, Lago e Rossini, 2017). Isso pode representar uma tend�ncia de maior disputa pelo fundo p�blico, o que levou a an�lises mais detalhadas da composi��o das gest�es municipais em rela��o �s vincula��es ideol�gicas e partid�rias para verificar poss�veis correla��es.�

A partir das informa��es constantes no Tribunal Regional Eleitoral e no Tribunal Superior Eleitoral realizou-se o mapeamento das vincula��es partid�rias dos prefeitos eleitos nos 77 munic�pios da Regi�o Funcional 7, para as gest�es 2005-2008, 2009-2012 e 2013-2016. Neste mapeamento constatou-se que o Partido Progressista (PP) � o que conquistou o maior n�mero de mandatos (79), seguido pelo Partido do Movimento Democr�tico Brasileiro (PMDB) com 67, pelo Partido Democr�tico Trabalhista (PDT) com 34, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) com 18 e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), com 14 mandatos. Os demais repartem os outros 19 mandatos. Esta realidade retrata o cen�rio do interior do estado do Rio Grande do Sul, no qual as disputas pol�ticas se concentram entre estes cinco partidos.

Para identificar as vincula��es ideol�gicas dos partidos que estiveram � frente dos executivos municipais, neste per�odo, na regi�o em estudo, procedeu-se a classifica��o dos mesmos seguindo a proposta de Krause, Machado e Miguel (2017), que os agrupa em tr�s grandes espectros ideol�gicos: direita, centro e esquerda. Os partidos de direita, identificados a do ide�rio da liberdade; os de esquerda, a partir do igualitarismo; e os de centro, ocupando posi��es intermedi�rias, mais pr�ximas � esquerda ou � direita. (Bobbio, 1995).

Figura 01: Mandatos por espectro pol�tico � municipios � inicios de mandato

 

Fonte: TRE (2019); TSE (2019). Dados organizados pelos autores.

 

Percebe-se a predomin�ncia de partidos � direita do espectro pol�tico, ao longo de todo o per�odo, seguidos por partidos de centro e esquerda, respectivamente. Chama aten��o o crescimento dos partidos de esquerda, em grande parte pelo fato de ser ter, em n�vel nacional, neste per�odo, a hegemonia dos mesmos ocupando o executivo federal.

Para identificar poss�veis influ�ncias do espectro pol�tico na orienta��o da aplica��o do fundo p�blico em pol�ticas sociais trabalhou-se com os valores totais aplicados ao longo do per�odo, com percentuais e com valores per capita, no sentido de dirimir poss�veis interfer�ncias ocasionadas pela diferen�a[10] entre os munic�pios no que se refere � popula��o e aos valores dos or�amentos dispon�veis. Tamb�m procurou-se isolar os anos iniciais e finais de cada mandato, tendo presente que, no primeiro ano de mandato, trabalha-se com o or�amento proposto pela gest�o anterior e, no �ltimo ano, pode-se organizar o or�amento no sentido de priorizar campanha � reelei��o.

Quando observados os valores totais aplicados em pol�ticas sociais, ao longo de todo o per�odo, considerando o espectro pol�tico, percebe-se que a direita apresenta os maiores valores (R$ 3.155.962.605,92) seguida pela esquerda (R$ 2.693.572.298,84) e pelo centro (R$ 1.379.974.726,85).� A posi��o da direita se justifica por possu�rem o maior n�mero de mandatos ao longo de todo o per�odo. Por�m, a situa��o do centro e da esquerda, que invertem posi��es, pode estar ligada ao fato da esquerda ter conquistado mais mandatos em munic�pios com maiores or�amentos (Iju�, Santo �ngelo e Santa Rosa) e o centro estar mais comprometido com as pol�ticas de ajuste de fei��o neoliberal.

Quando se analisam valores per capita e percentuais aplicados, a influ�ncia do espectro pol�tico na destina��o dos recursos do fundo p�blico torna-se bem mais relativa, especialmente em rela��o � m�dia geral e aos valores aplicados nas �fun��es� or�ament�rias que possuem legisla��o regulando percentuais m�nimos, como os casos da educa��o e da sa�de. As diferen�as s�o mais significativas quando se olham as �fun��es� or�ament�rias que apresentam maior liberdade na destina��o dos recursos ou que dependem mais de projetos pr�prios ou articula��es pol�ticas com as outras esferas da federa��o, casos espec�ficos de habita��o, urbanismo e saneamento b�sico.

Figura 02: Valores m�dios per capita aplicados em pol�ticas sociais � meio de mandato

 

Fonte: Brasil (2013 e 2016). Dados organizados pelos autores.

 

Para analisar a rela��o da aplica��o do fundo p�blico em pol�ticas sociais com os indicadores de desenvolvimento tomou-se como refer�ncia os valores aplicados e o �ndice de Desenvolvimento Socioecon�mico para o estado do Rio Grande do Sul (Idese), entre os 2007-2015[11], considerando a mesma unidade de an�lise, ou seja, os anos do meio dos mandatos. Utilizou-se o coeficiente de correla��o de Pearson para medir o grau de associa��o linear entre duas vari�veis quantitativas, tendo como refer�ncia a sugest�o de Sics� e Dana (2012) para medir a magnitude do coeficiente de correla��o:

 

Quadro 01 - Intervalos de Correla��o e Magnitude do Coeficiente

 

Correla��o

Magnitude da Correla��o

0,0 < | r | <= 0,3

Correla��o Fraca

0,3 < | r | <= 0,7

Correla��o Moderada

0,7 < | r | <=1,0

Correla��o Forte

������������������� Fonte: Adaptado a partir de Sics� e Dana (2012).

Munic�pios com coeficientes de correla��o (r) entre 0,0 e 0,3 ser�o classificados com correla��o fraca, positiva ou negativa; correla��o entre 0,3 e 0,7 ser�o classificadas como correla��es moderadas e, coeficientes de 0,7 a 1,0 ser�o classificadas como correla��o Forte. Contudo, cabe ressaltar que embora existam coeficientes de correla��o baixos entre as vari�veis, isto n�o significa que estas estejam dissociadas e; a correla��o de duas vari�veis n�o significa causa (Sics� e Dana, 2012).

Figura 3: Correla��o entre pol�ticas sociais per capita e o Idese � meio de mandato

Fonte: Elaborado pelos autores.

Aplicando-se esta metodologia observa-se uma correla��o positiva forte em 56 munic�pios, positiva moderada em 12, positiva fraca em 3, negativa fraca em 4 e negativa moderada em 2 munic�pios. Isso nos leva a inferir que, na maioria absoluta dos munic�pios (71), a amplia��o dos recursos do fundo p�blico aplicados nas pol�ticas sociais apresentou impacto positivo na melhoria dos indicadores de desenvolvimento. Por�m, tamb�m se percebe que, mesmo melhorando-se os indicadores gerais de desenvolvimento na grande parte dos munic�pios, ainda persistem importantes desigualdades entre eles.

 

Considera��es Fin�is

O estudo prop�s investigar a poss�vel correla��o entre o perfil ideopol�tico das gest�es municipais dos 77 munic�pios da Regi�o Funcional 7, dos Conselhos Regionais de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (COREDES/RS), no per�odo de 2004 a 2016 e a aplica��o do fundo p�blico. Demonstramos que tal correla��o � significativa, constituindo-se em importante instrumento de an�lise das prioridades governamentais e das pol�ticas p�blicas delas decorrentes. Ficou evidenciado que a vincula��o dos gestores municipais, atrav�s de seus partidos, aos distintos campos do espectro ideol�gico (Direita, Centro e Esquerda) � um importante indicador de tend�ncias em termos de prioriza��o dos investimentos e aplica��o do fundo p�blico.

Ainda, a pesquisa demonstrou haver importante correla��o entre os investimentos do fundo p�blico e os indicadores de desenvolvimento, evidenciando a import�ncia das pol�ticas p�blicas como instrumento promotor do desenvolvimento. Essa import�ncia assume maior propor��o nos pequenos munic�pios, maioria da regi�o analisada, pois nestes os servi�os de sa�de, educa��o, prote��o e promo��o social geralmente s�o restritos aos prestados pelo sistema p�blico.

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TSE � Tribunal Superior Eleitoral. (2019). Reposit�rio de Dados Eleitorais. Bras�lia (DF): TSE, 2019. Recuperado de: http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/repositorio-de-dados-eleitorais-1/repositorio-de-dados-eleitorais.

 



[1] Pesquisa desenvolvida na Universidade Federal da Fronteira Sul. Apoio PROAP/CAPES e FAPERGS.

 

[2] Doutor e P�s-Doutor em Servi�o Social (PUCRS). Mestre em Sociologia (UFRGS). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Correo: [email protected]

 

[3] Doutor e Mestre em Sociologia Pol�tica (UFSC). Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS). Correo: [email protected]

 

[4] Mestre em Desenvolvimento e Pol�ticas P�blicas (UFFS). Graduado em Economia (UNIJUI). Correo: [email protected]

 

[5] Mestre em Desenvolvimento e Pol�ticas P�blicas (UFFS). Graduada em Ci�ncias Cont�beis (FEMA). T�cnica Administrativa na UFFS.

Correo: [email protected].

 

[6] N�o desconsiderando os embates anteriores, retratados em Mota (2000) e Carvalho (2002), entre outros.�

[7] Entre os anos de 2004 a 2012 os dados das contas municipais eram disponibilizados pela Secretaria do Tesouro Nacional atrav�s da Finan�as Brasil � Dados Cont�beis do Munic�pios (FINBRA). A partir de 2013, implantou �se o Sistema de Informa��es Cont�beis e Fiscais do Setor P�blico Brasileiro (SICONFI).

[8]Trabalha-se com nove �reas de pol�ticas sociais: educa��o, cultura, sa�de, saneamento, habita��o, urbanismo, previd�ncia, assist�ncia social e trabalho. Entende-se que estas representam a quase totalidade (mais de 90%) dos recursos do fundo p�blico aplicado em pol�ticas sociais nos munic�pios da regi�o.

[9] A Constitui��o Federal de 1988 define, em seu artigo 212, que os munic�pios devem aplicar, no m�nimo 25% das receitas resultantes de impostos, compreendida tamb�m a proveniente de transfer�ncias, na manuten��o e desenvolvimento da Educa��o. No caso da sa�de, a Constitui��o, em seu artigo 198, orienta como deve ser o processo de destina��o dos recursos, remetendo � leis ordin�rias sua regulamenta��o, o que ocorreu via Leis Complementares n� 8.080/90, 8.689/93 e 141/2012. Nestas define-se que os munic�pios devem aplicar, no m�nimo 15% dos impostos a que se refere art. 156, 158 e a al�nea �b� do inciso I do caput e o � 3� do art. 159, todos da Constitui��o Federal

[10] Dos 77 munic�pios da regi�o, apenas 4 possuem mais de 40 mil habitantes; tr�s situam-se na faixa de 20 a 39.999 habitantes; e os demais apresentam popula��o inferior a 20 mil habitantes. Os sete maiores apresentam or�amentos mais expressivos por se constitu�rem em centros ou sub-centros regionais.�

[11] Per�odo para o qual os dados do IDESE est�o dispon�veis em uma mesma metodologia de refer�ncia.