LICENCIAMENTO AMBIENTAL NA
PERSPECTIVA ECOSSOCIALISTA:
O CASO DAS AGROIND�STRIAS RURAIS NO MUNIC�PIO DE CERRO LARGO/RS [1]
Felipe
Guerim Pieniz[2]
Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil
Benedito
Silva Neto[3]
Universidade Federal da Fronteira Sul � Brasil
http://orcid.org/0000-0001-8497-0124
Recibido: 05/08/2019
Aprobado: 28/11/2019
Resumo
O presente artigo tem o objetivo de discutir, a partir de uma perspectiva ecossocialista, a import�ncia das agroind�strias rurais nas condi��es atuais do campesinato e sua rela��o com a pol�tica de gest�o ambiental do Estado brasileiro na promo��o da sustentabilidade ecol�gica. Trata-se de uma pesquisa de car�ter explorat�rio. Na primeira parte � realizada uma discuss�o sobre a sustentabilidade ecol�gica e sua rela��o com a natureza do Estado, com base na obra de Gy�rgy Luk�cs. Na segunda parte s�o discutidos alguns aspectos centrais da perspectiva ecossocialista adotada no artigo. A terceira parte realiza uma discuss�o sobre a sustentabilidade ecol�gica das agroind�strias rurais. Na quarta parte do trabalho se faz uma an�lise da situa��o das agroind�strias rurais presentes no munic�pio de Cerro Largo frente a legisla��o ambiental: cruzando as informa��es sobre a quantidade de agroind�strias rurais no munic�pio e a quantidade de licen�as ambientais vigentes se observou que pelo menos 618 dos 780 estabelecimentos rurais exercem atividades em situa��o ilegal. Com a discuss�o, a partir da perspectiva ecossocialista adotada, constatou-se a import�ncia do campesinato para o aumento da produ��o agr�cola e promo��o da sustentabilidade ecol�gica, sendo a atividade das agroind�strias rurais essencial na reprodu��o social desses agricultores. Por outro lado, constatou-se o quanto a atividade est� distante da previs�o legal e tamb�m o quanto o Estado brasileiro e sua pol�tica de gest�o ambiental n�o est�o adequados � realidade do campesinato, levando, inclusive, � marginaliza��o das suas atividades agroindustriais de subsist�ncia.
Palavras-chave: Campesinato. Legisla��o ambiental. Socialismo.
Abstracts
This article aims to discuss, from an eco-socialist perspective, the importance of rural agro-industries in the current conditions of the peasantry and their relationship with the environmental management policy of the Brazilian State in promoting ecological sustainability. This is an exploratory research. In the first part, there is a discussion about ecological sustainability and its relationship with the nature of the State, based on the work of Gy�rgy Luk�cs. In the second part, some central aspects of the eco-socialist perspective adopted in the article are discussed. The third part discusses the ecological sustainability of rural agro-industries. In the fourth part of the work, an analysis is made of the situation of rural agro-industries present in the municipality of Cerro Largo in view of environmental legislation: crossing information on the number of rural agro-industries in the municipality and the amount of environmental licenses in force, it was observed that at least 618 of the 780 rural establishments carry out illegal activities. With the discussion, from the adopted eco-socialist perspective, it was verified the importance of the peasantry for the increase of agricultural production and promotion of ecological sustainability, being the activity of rural agro-industries essential in the social reproduction of these farmers. On the other hand, it was noted how far the activity is distant from the legal provision and also how much the Brazilian State and its environmental management policy are not adequate to the reality of the peasantry, even leading to the marginalization of its subsistence agro-industrial activities.
Keywords: Peasantry. Environmental legislation. Socialism.
Introdu��o
A agroind�stria rural est� ligada diretamente ao campesinato, pois � uma op��o interessante para a diversifica��o das atividades nas unidades de produ��o camponesa. Al�m da possibilidade de agrega��o de valor sobre os produtos agropecu�rios, garante produtos de subsist�ncia, ou seja, reduz a depend�ncia de mercadorias externas � unidade de produ��o. Al�m disso, comparando-se com o agroneg�cio, a diversifica��o das atividades camponesas possibilita a gera��o de maior valor agregado por superf�cie em condi��es de maior conserva��o dos ecossistemas espont�neos (Silva Neto, 2016, 2017). Entretanto, a atividade das agroind�strias no campesinato � objeto de contradi��o frente ao Estado brasileiro, dado que a atividade proporciona elementos para a promo��o da sustentabilidade, mas encontra-se em situa��o de ilegalidade quanto ao quesito de licenciamento ambiental.
Nesse contexto, este trabalho tem o objetivo de discutir, a partir de uma perspectiva ecossocialista, a import�ncia das agroind�strias rurais nas condi��es atuais do campesinato e sua rela��o com a pol�tica de gest�o ambiental do Estado brasileiro na promo��o da sustentabilidade ecol�gica. Trata-se de uma pesquisa explorat�ria, onde primeiramente � realizada uma discuss�o sobre a sustentabilidade ecol�gica e sua rela��o com a natureza do Estado, com base na obra de Gy�rgy Luk�cs; na segunda parte s�o discutidos alguns aspectos centrais da perspectiva ecossocialista adotada; na terceira parte realiza-se uma discuss�o sobre a sustentabilidade ecol�gica das agroind�strias rurais; na quarta parte do trabalho se faz uma an�lise da situa��o das agroind�strias rurais presentes no munic�pio de Cerro Largo frente a legisla��o ambiental vigente; e, ao final s�o apresentadas as conclus�es.
A sustentabilidade ecol�gica e sua rela��o com a natureza do Estado
A natureza do Estado considerada neste trabalho baseia-se na obra de Gy�rgy Luk�cs, em especial no ensaio �O Processo de Democratiza��o� de 1968. Nesse ensaio, com base no materialismo hist�rico, Luk�cs afirma que para a compreens�o objetiva dos fen�menos hist�rico-sociais e das leis que os regem � necess�rio considerar que:
O
ser-precisamente-assim � antes de mais nada, uma categoria hist�rico-social, ou
seja, o modo necess�rio pelo qual se apresenta o jogo contradit�rio das for�as
socioecon�micas que operam em determinado momento no interior de um complexo
social situado num est�gio espec�fico de seu desenvolvimento hist�rico.
(Luk�cs, 2008: 84)
Em suas considera��es Luk�cs toma com ponto de partida que �toda forma��o econ�mica, de um ponto de vista ontol�gico, � algo dotado de uma legalidade necess�ria e, ao mesmo tempo, de um ser-precisamente-assim hist�rico� (Luk�cs, 2008: 85); nisso, considera que as formas superestruturais, como a democracia, s�o constitu�das do mesmo modo. Assim, a democracia n�o pode ser considerada algo �nico, est�tico, pois a pluralidade e a din�mica das bases econ�micas permite uma multiplicidade de formas desse sistema (Luk�cs, 2008).
Na supera��o do feudalismo a democracia burguesa surge essencialmente como resultado das mudan�as nas rela��es socioecon�micas; nisso tem-se um enorme progresso na hist�ria da sociedade humana, pois o interc�mbio baseado nos valores de troca estabeleceu a rela��o entre Estado e sociedade civil em termos puramente sociais (Luk�cs, 2008). Entretanto, a nova superestrutura revelou-se o �Estado ideal� da burguesia, prop�cio � acumula��o de capital, que se imp�e de forma contradit�ria �s necessidades sociais (Luk�cs, 2008).
Nessa superestrutura o idealismo do Estado burgu�s pressup�e como base o materialismo da sociedade civil; tal contradi��o se estende ao indiv�duo, pois esse compreende a oposi��o-unidade entre o �ser humano material� e o �cidad�o ideal� (Luk�cs, 2008). Na medida em que as Constitui��es oriundas da Revolu��o Francesa rebaixam o cidad�o � condi��o de servidor dos �direitos humanos�, elas admitem a real supremacia social do ser humano material; de modo que tal indiv�duo considere as outras pessoas n�o a plenitude, mas o limite da sua liberdade; sendo essa a realidade social b�sica do capitalismo (Luk�cs, 2008).
Na supremacia do ser humano material sobre o ideal tem-se a tend�ncia de o indiv�duo �burlar� a superestrutura ideal para o atendimento de seus interesses particulares, bem como, de adequ�-la �s necessidades econ�micas que assim v�o surgindo (Luk�cs, 2008). Considerando que �o Estado de toda sociedade � uma arma ideol�gica para travar os conflitos de classe segundo o modo de pensar da classe dominante� (Luk�cs, 2008: 92), tais atos particulares s�o a base para um movimento de massa que promove o desenvolvimento do capitalismo no plano econ�mico; ou seja, nas palavras de Luk�cs:
Quanto mais o parlamentarismo,
a realiza��o central e mais t�pica deste idealismo estatal, torna-se
aparentemente e formalmente aut�nomo em rela��o a vida real da sociedade,
quanto mais se torna capaz de aparecer como puro �rg�o da vontade ideal do
povo, tanto mais ele se torna adequado a servir como instrumento para
implementar os interesses ego�stas de grupos capitalistas � e isso precisamente
sob a apar�ncia de uma liberdade e igualdade ilimitada (Luk�cs, 2008: 93)
Nessa perspectiva, quanto ao meio ambiente, o Estado burgu�s defende a sustentabilidade no plano ideal, pretendendo imp�-la a sociedade civil dentro dos limites dos interesses capitalistas. Do mesmo modo, isso resulta no aumento da contradi��o entre a sustentabilidade ecol�gica e a reprodu��o social, que prevalece sobre a primeira. Ent�o, como tamb�m levantado por L�wy (2013) e Silva Neto (2017) a partir da obra de Luk�cs, percebe-se que a atual crise ecol�gica tem sua origem na din�mica do sistema capitalista (como discutido no pr�ximo item).
No Brasil a superestrutura compreende um complexo sistema institucional de gest�o do meio ambiente, regido por um vasto aparelho legal que estabelece alguns instrumentos de interven��o do Estado para atingir os objetivos das pol�ticas p�blicas; o licenciamento ambiental, por exemplo, imp�e aos empreendedores privados e p�blicos requisitos para a planifica��o de projetos, alguns dos quais tem suas licen�as negadas, ao passo que outros somente s�o aceitos mediante modifica��o ou com a execu��o de medidas mitigadoras e compensat�rias dos impactos ambientais gerados pelo empreendimento (S�nchez, 2013: 78). Mas, apesar do forte arcabou�o legal, o sistema de gest�o ambiental brasileiro demonstra-se insuficiente na promo��o da sustentabilidade ecol�gica. O fen�meno de �judicializa��o dos conflitos ambientais� surgido nas �ltimas d�cadas � uma das evid�ncias dessa afirma��o, conforme argumenta Losekann:
A crescente
mobiliza��o legal, no caso dos conflitos socioambientais, � um sintoma da
dificuldade que o sistema representativo encontra para incorporar as agendas do
ambientalismo em geral, principalmente quando amea�am poderes econ�micos com
v�nculos fortemente estabelecidos no sistema pol�tico brasileiro. Sintoma,
tamb�m, da inefici�ncia e inefic�cia de algumas institui��es participativas que
n�o s�o suficientes para incorporar tais demandas (Losekann, 2013: 312).
Losekann (2013) tamb�m comprova na an�lise do fen�meno de judicializa��o a complac�ncia da administra��o p�blica em projetos de grande impacto ambiental de empresas brasileiras e multinacionais em detrimento do meio ambiente e dos interesses das classes mais vulner�veis da sociedade civil (pescadores, camponeses, ind�genas, entre outros).
Fosse um fen�meno espec�fico brasileiro, poder-se-ia argumentar que a incapacidade de fazer a gest�o do meio ambiente estaria em falhas internas do sistema institucional. Entretanto, o jurista franc�s Antonie Garapon mostra que a judicializa��o dos conflitos ocorre em diversos pa�ses democr�ticos, tratando-se de um movimento que se converteu na �nova linguagem com a qual se formulam as demandas pol�ticas que, desiludidas com um Estado inativo, se voltam maci�amente para a justi�a� (Garapon, 2001: 39). Garapon ressalva que essa invers�o de posi��es entre a justi�a e o Estado traz pesadas consequ�ncias, pois expressa a divis�o da sociedade e acentua os conflitos, prevalecendo os interesses particulares sobre o interesse p�blico (Garapon, 2001). Com essas considera��es percebe-se que a judicializa��o dos conflitos ambientais expressa o problema, mas n�o traz a solu��o. Assim, reitera-se que a promo��o da sustentabilidade ecol�gica vai al�m da quest�o da gest�o ambiental.
A perspectiva ecossocialista
A perspectiva ecossocialista adotada neste trabalho assume que a reprodu��o social e a sustentabilidade ecol�gica s�o determinadas por processos distintos: a reprodu��o na gera��o e circula��o de valor e a sustentabilidade na din�mica dos sistemas naturais. Os distintos processos geram contradi��es que, com o surgimento do capitalismo nas sociedades contempor�neas, acentuaram-se devido � aloca��o dos recursos baseada na acumula��o de capital e n�o nas necessidades sociais (L�wy, 2013; Silva Neto, 2016, 2017).
Neste cen�rio a perspectiva ecossocialista busca a supera��o das contradi��es advindas do capitalismo, se distanciando das correntes marxistas produtivistas, com um projeto de emancipa��o que tem como objetivo a supera��o das rela��es alienadas que os seres humanos mant�m entre si e com a natureza. Traz uma proposta de aloca��o dos recursos baseada diretamente nas necessidades sociais, respeitando a din�mica dos sistemas naturais, respons�veis pela mat�ria e energia que constituem os fluxos prim�rios das riquezas das sociedades (Silva Neto, 2016, 2017).
A agroind�stria rural e sua rela��o com a sustentabilidade ecol�gica
O conceito de �agroind�stria rural� utilizado neste artigo � o mesmo adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica (IBGE), abrangendo a manufatura de
Produtos do
estabelecimento agropecu�rio que foram beneficiados ou transformados, [...] em
instala��es pr�prias, comunit�rias ou de terceiros, a partir de mat�ria-prima
que tenha sido produzida no pr�prio estabelecimento ou que fora adquirida de
outros produtores, desde que a destina��o final do produto tenha sido dada pelo
produtor. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estat�stica [IBGE], 2018: 38)
Esse conceito difere a agroind�stria rural dos complexos agroind�strias das grandes empresas aliment�cias, especialmente pela autonomia do agricultor na produ��o e na destina��o final dos produtos, seja para o consumo pr�prio ou para a comercializa��o. Assim, a agroind�stria rural est� diretamente ligada � atividade camponesa, sendo importante para a diversifica��o das atividades econ�micas nessas unidades de produ��o a fim de reduzir a vulnerabilidade dos camponeses frente � hegemonia do modelo de produ��o agr�cola uniforme dominado por certos grupos de capitalistas, tamb�m chamado de agroneg�cio (Silva Neto, 2017).
De acordo com Silva Neto (2017), na perspectiva ecossocialista, quando se tem a autonomia dos agricultores no processo de decis�o tende � diversifica��o das atividades na unidade de produ��o; e na a agricultura camponesa, al�m de gerar maior valor agregado por superf�cie, tende � supera o agroneg�cio quanto � sustentabilidade ecol�gica, especialmente em fun��o da baixa escala de produ��o. Isso porque a diversifica��o das atividades que comp�em os sistemas de produ��o da agricultura camponesa
Permite que tais
agricultores trabalhem em escalas menores, explorando as diferentes condi��es
ecol�gicas e recursos dispon�veis presentes nas suas unidades de produ��o em
maior conson�ncia com a din�mica dos ecossistemas espont�neos, em contraposi��o
� especializa��o e a produ��o em alta escala por meio de um uso intensivo de equipamentos
e de insumos de origem industrial (Silva Neto, 2017: 132).
Al�m disso, a atividade � essencial aos camponeses, pois proporciona produtos de subsist�ncia que, embora n�o sejam comercializados, s�o importantes quanto �s vantagens econ�micas, dado que o valor da produ��o de subsist�ncia (medida pelo pre�o de consumo) � maior do que se ela fosse vendida no mercado. Nessa perspectiva, a agroind�stria rural � importante para a reprodu��o social do campesinato e consequentemente para a manuten��o da sustentabilidade ecol�gica na atividade agr�cola.
Materiais e m�todo
Este trabalho trata-se de uma pesquisa explorat�ria. Primeiramente foram levantadas as informa��es sobre o n�mero de estabelecimentos agropecu�rios e tipos de produtos da agroind�stria rural no munic�pio de Cerro Largo/RS. Os dados foram obtidos do Censo Agropecu�rio 2017, disponibilizados na p�gina do IBGE na internet. Dispondo dessas informa��es, foi realizada uma an�lise documental dos dispositivos legais que regulamentam sobre o licenciamento ambiental desses estabelecimentos. Ent�o, foi poss�vel verificar em que situa��es essas agroind�strias s�o pass�veis de licenciamento ambiental.
Na sequ�ncia se procedeu com a verifica��o da quantidade de licen�as ambientais em vigor para a atividade de subsist�ncia de maior exig�ncia quanto ao licenciamento ambiental no munic�pio de Cerro Largo. A verifica��o se fez atrav�s da pesquisa na internet nas p�ginas da Prefeitura Municipal de Cerro Largo, respons�vel pela publicidade das licen�as emitidas pelo Munic�pio, e da Funda��o Estadual de Prote��o Ambiental (FEPAM) respons�vel pela publicidade das licen�as emitidas pelo Estado. Ent�o, ao final realizou-se a discuss�o sobre os resultados obtidos.
Resultados e discuss�o
S�o apresentadas na primeira coluna da Tabela 1 as informa��es sobre os estabelecimentos agropecu�rios com agroind�stria rural no munic�pio de Cerro Largo e sobre o que � produzido nesses estabelecimentos. Importante observar que no levantamento do IBGE um estabelecimento pode produzir mais de um produto. Considerando que o munic�pio de Cerro Largo contava com 780 estabelecimentos agropecu�rios em 2017 (IBGE, n.d.), a grande quantidade de agroind�strias rurais pressup�e que a maior parte da produ��o � destinada � subsist�ncia dos agricultores, com destaque para �p�es, bolos e biscoitos�, �carne de bovinos (verde) �, �carne de outros animais (verde) � produzidos em mais de 500 estabelecimentos.
Tratando-se dos
requisitos legais, a legisla��o ambiental brasileira compreende diversos
dispositivos que visam a preserva��o do meio ambiente, esses s�o
hierarquicamente dispostos a partir da Constitui��o Federal de 1988, que
destaca:
Art. 225. Todos t�m direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado,
bem de uso comum do povo e essencial � sadia qualidade de vida, impondo-se ao
Poder P�blico e � coletividade o dever de defend�-lo e preserv�-lo para as
presentes e futuras gera��es. (Constitui��o da Rep�blica Federativa do Brasil,
1988/2015: 156)
Em seguida, na
hierarquia dos dispositivos legais tem-se a Pol�tica Nacional do Meio Ambiente,
que tem por objetivo a �preserva��o, melhoria e recupera��o da qualidade
ambiental prop�cia � vida� (Lei n� 6.938, 1981: par. 3) onde se destaca o
artigo 10�: �A constru��o, instala��o, amplia��o e funcionamento de
estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou
potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degrada��o
ambiental depender�o de pr�vio licenciamento ambiental� (Lei 6.938, 1981: par.
107). Importante destacar que, dada a necessidade de licenciamento dos
empreendimentos e atividades, aqueles que agem sem licen�a respondem por crime,
considerando o artigo 60� Lei de Crimes Ambientais (Lei n� 9.605, 1998).
Na sequ�ncia tem-se a
Lei Complementar n� 140 que define as atribui��es de licenciamento ambiental
para os Estados e Munic�pios. Sendo atribui��o de licenciamento dos Munic�pios
as atividades e empreendimentos que causam impacto ambiental em �mbito local
(dentro da municipalidade); e, atribui��o de licenciamento do Estado as
atividades e empreendimentos que causam impacto ambiental em mais de um
munic�pio dentro do Estado (Lei Complementar n� 140, 2011). No Rio Grande do
Sul essas atividades e empreendimentos pass�veis de licenciamento ambiental
pelo Estado e pelos Munic�pios s�o atualmente classificadas pela Resolu��o
CONSEMA n� 372 de 2018 (Conselho Estadual do Meio Ambiente [CONSEMA], 2018).
Tendo as informa��es
sobre o tipo do produto das agroind�strias rurais de Cerro Largo, foram
identificadas e relacionadas as atividades de produ��o necess�rias presentes na
Resolu��o CONSEMA 372/2018. Mas, para os produtos identificados pelo IBGE como
�couros e peles�, �produtos de madeira� e �outros produtos� n�o foi poss�vel a
identifica��o das atividades de produ��o necess�rias pois esses carecem de um
maior detalhamento. Para os demais produtos, com a descri��o das atividades
identificou-se, tamb�m na Resolu��o CONSEMA 372/2018, os respectivos portes
isentos de licenciamento ambiental. A rela��o dos produtos com as respectivas
atividades, bem como os portes isentos de licenciamento tamb�m s�o apresentadas
na Tabela 1.
Dentre todas as
atividades, somente �matadouro/abatedouro� n�o possui porte isento de
licenciamento ambiental, mesmo que para a subsist�ncia dos agricultores. Ent�o,
considerando que a produ��o de �carne de bovinos (verde) �, �carne de su�nos
(verde) � e �carne de outros animais (verde) � � realizada em 573, 442 e 618
estabelecimentos agropecu�rios, respectivamente; � esperado haver um n�mero
significativo de licen�as ambientais vigentes para a atividade de
�matadouro/abatedouro�.
Tabela
1. Produtos das agroind�strias rurais no munic�pio de
Cerro Largo/RS, n�mero de estabelecimentos, descri��o da atividade relacionada
e porte isento de licenciamento conforme a Resolu��o CONSEMA 372/2018.
Produto / n� de estabelecimentos |
Descri��o da atividade |
Porte isento de licenciamento |
Aguardente de cana / 5 |
fabrica��o de
aguardente/licores/outros destilados |
at� 250 m� |
Creme de leite / 56 |
beneficiamento e industrializa��o
de leite e/ou seus derivados, exceto prepara��o de leite |
at� 250 m� |
Doces e geleias / 425 |
fabrica��o de doces em pasta,
cristalizados, em barra |
at� 250 m� |
Farinha de mandioca / 1 |
fabrica��o de produtos derivados
da mandioca |
at� 250 m� |
Fub� de milho / 1 |
torrefa��o e/ou moagem de gr�os |
at� 250 m� |
Legumes e verduras (processadas)
/ 262 |
fabrica��o de conservas, exceto
de carne e pescado |
at� 250 m� |
Licores / 10 |
fabrica��o de
aguardente/licores/outros destilados |
at� 250 m� |
Manteiga / 55 |
beneficiamento e industrializa��o
de leite e/ou seus derivados, exceto prepara��o de leite |
at� 250 m� |
Melado / 211 |
fabrica��o de doces em pasta,
cristalizados, em barra |
at� 250 m� |
P�es, bolos e biscoitos / 565 |
padaria, confeitaria, pastelaria |
at� 250 m� |
Polpa de frutas / 30 |
fabrica��o de conservas, exceto
de carne e pescado |
at� 250 m� |
Queijo e requeij�o / 185 |
beneficiamento e industrializa��o
de leite e/ou seus derivados, exceto prepara��o de leite |
at� 250 m� |
Rapadura / 97 |
fabrica��o de doces em pasta,
cristalizados, em barra |
at� 250 m� |
Sucos de frutas / 250 |
fabrica��o de outras bebidas n�o
alco�licas |
at� 250 m� |
Vinho de uva / 10 |
fabrica��o de vinhos |
at� 250 m� |
Carne de bovinos (verde) / 573 |
matadouros/abatedouros |
� |
Carne de su�nos (verde) / 442 |
matadouros/abatedouros |
� |
Carne de outros animais (verde) /
618 |
matadouros/abatedouros |
� |
Carne tratada (de sol, salgada) /
114 |
fabrica��o de derivados de origem
animal , incluindo fabrica��o de embutidos e/ou prepara��o de carne e
beneficiamento de tripas sem abate |
at� 250 m� |
Embutidos (lingui�as, salsichas,
etc.) / 183 |
fabrica��o de derivados de origem
animal , incluindo fabrica��o de embutidos e/ou prepara��o de carne e
beneficiamento de tripas sem abate |
at� 250 m� |
Couros e peles / 449 |
� |
� |
Produtos de madeira / 4 |
� |
� |
Outros / 4 |
� |
� |
Fonte:
Elaborado pelo autor a partir dos dados do Censo Agropecu�rio 2017 (IBGE,
n.d.), baseando-se na Resolu��o CONSEMA 372/2018.
Ent�o, em seguida se
procedeu com a verifica��o da quantidade de licen�as ambientais em vigor para a
atividade de �matadouros/abatedouros� no munic�pio de Cerro Largo. Nenhuma
licen�a foi encontrada de estabelecimento com caracter�stica de agroind�stria
rural. � poss�vel que uma parte dos agricultores fazem o abate em
estabelecimentos de terceiros antes de realizar a comercializa��o, mas essa
conduta n�o � vi�vel aos camponeses para fins de subsist�ncia devido aos
fatores econ�micos e log�sticos, especialmente no caso dos pequenos animais,
como frangos por exemplo. Logo, pode-se afirmar que no munic�pio de Cerro Largo
pelo menos 618 estabelecimentos rurais est�o ilegais quanto ao desempenho de
atividades ligadas � agroind�stria rural. Situa��o que evidencia a contradi��o
entre a reprodu��o social dos camponeses e o Estado que se imp�e na suposta
inten��o de preservar o meio ambiente.
Conclus�es
A partir da perspectiva ecossocialista se percebe a import�ncia do campesinato para o aumento da produ��o agr�cola e promo��o da sustentabilidade ecol�gica. Para tanto, esses pequenos agricultores necessitam de um Estado que viabilize sua atividade em contraposi��o aos interesses dos grupos capitalistas do agroneg�cio e das grandes empresas aliment�cias. Por�m, no caso brasileiro, sob a apar�ncia de um �Estado ideal do povo�, o pa�s submete-se cada vez mais aos interesses do capital, com a opress�o das classes mais vulner�veis, onde se encontram os camponeses.
Neste trabalho tamb�m foi apresentada a import�ncia da agroind�stria rural na diversifica��o das atividades nas unidades de produ��o camponesas para reprodu��o social da classe e promo��o da sustentabilidade ecol�gica. Entretanto, percebe-se que essa possibilidade de diversifica��o encontra dificuldades de efetiva��o nos instrumentos estatais de gest�o ambiental, pois esses favorecem as grandes empresas na libera��o de empreendimentos com alto impacto ambiental e marginalizam as atividades de subsist�ncia dos grupos mais vulner�veis, conforme aqui foi demonstrado na situa��o dos agricultores de Cerro Largo, onde pelo menos 618 dos 780 estabelecimentos rurais do munic�pio desempenham atividades em situa��o ilegal.
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decorrentes do exerc�cio da compet�ncia comum relativas � prote��o das
paisagens naturais not�veis, � prote��o do meio ambiente, ao combate � polui��o
em qualquer de suas formas e � preserva��o das florestas, da fauna e da flora;
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[1] O presente
trabalho foi realizado com apoio da Coordena��o de Aperfei�oamento de Pessoal
de N�vel Superior - Brasil (CAPES) - C�digo de Financiamento 001.
[2] Mestrando em Desenvolvimento e Pol�ticas
P�blicas na Universidade Federal da Fronteira Sul. Engenheiro Sanitarista e
Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina.Correo:
[email protected]
[3] Professor da Universidade Federal da
Fronteira Sul. Doutor em Agricultura Comparada e Desenvolvimento Agr�cola pelo Institut National Agronomique Paris-Grignon,
Fran�a. Correo:
[email protected]