LICENCIAMENTO AMBIENTAL NA PERSPECTIVA ECOSSOCIALISTA:
O CASO DAS AGROINDÚSTRIAS RURAIS NO MUNICÍPIO DE CERRO LARGO/RS
[1]

 

Felipe Guerim Pieniz[2]

Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil

Benedito Silva Neto[3]

Universidade Federal da Fronteira Sul – Brasil

 http://orcid.org/0000-0001-8497-0124

 

Recibido: 05/08/2019

Aprobado: 28/11/2019

 

Resumo

O presente artigo tem o objetivo de discutir, a partir de uma perspectiva ecossocialista, a importância das agroindústrias rurais nas condições atuais do campesinato e sua relação com a política de gestão ambiental do Estado brasileiro na promoção da sustentabilidade ecológica. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório. Na primeira parte é realizada uma discussão sobre a sustentabilidade ecológica e sua relação com a natureza do Estado, com base na obra de György Lukács. Na segunda parte são discutidos alguns aspectos centrais da perspectiva ecossocialista adotada no artigo. A terceira parte realiza uma discussão sobre a sustentabilidade ecológica das agroindústrias rurais. Na quarta parte do trabalho se faz uma análise da situação das agroindústrias rurais presentes no município de Cerro Largo frente a legislação ambiental: cruzando as informações sobre a quantidade de agroindústrias rurais no município e a quantidade de licenças ambientais vigentes se observou que pelo menos 618 dos 780 estabelecimentos rurais exercem atividades em situação ilegal. Com a discussão, a partir da perspectiva ecossocialista adotada, constatou-se a importância do campesinato para o aumento da produção agrícola e promoção da sustentabilidade ecológica, sendo a atividade das agroindústrias rurais essencial na reprodução social desses agricultores. Por outro lado, constatou-se o quanto a atividade está distante da previsão legal e também o quanto o Estado brasileiro e sua política de gestão ambiental não estão adequados à realidade do campesinato, levando, inclusive, à marginalização das suas atividades agroindustriais de subsistência.

Palavras-chave: Campesinato. Legislação ambiental. Socialismo.

Abstracts

This article aims to discuss, from an eco-socialist perspective, the importance of rural agro-industries in the current conditions of the peasantry and their relationship with the environmental management policy of the Brazilian State in promoting ecological sustainability. This is an exploratory research. In the first part, there is a discussion about ecological sustainability and its relationship with the nature of the State, based on the work of György Lukács. In the second part, some central aspects of the eco-socialist perspective adopted in the article are discussed. The third part discusses the ecological sustainability of rural agro-industries. In the fourth part of the work, an analysis is made of the situation of rural agro-industries present in the municipality of Cerro Largo in view of environmental legislation: crossing information on the number of rural agro-industries in the municipality and the amount of environmental licenses in force, it was observed that at least 618 of the 780 rural establishments carry out illegal activities. With the discussion, from the adopted eco-socialist perspective, it was verified the importance of the peasantry for the increase of agricultural production and promotion of ecological sustainability, being the activity of rural agro-industries essential in the social reproduction of these farmers. On the other hand, it was noted how far the activity is distant from the legal provision and also how much the Brazilian State and its environmental management policy are not adequate to the reality of the peasantry, even leading to the marginalization of its subsistence agro-industrial activities.

Keywords: Peasantry. Environmental legislation. Socialism.

 

Introdução

A agroindústria rural está ligada diretamente ao campesinato, pois é uma opção interessante para a diversificação das atividades nas unidades de produção camponesa. Além da possibilidade de agregação de valor sobre os produtos agropecuários, garante produtos de subsistência, ou seja, reduz a dependência de mercadorias externas à unidade de produção. Além disso, comparando-se com o agronegócio, a diversificação das atividades camponesas possibilita a geração de maior valor agregado por superfície em condições de maior conservação dos ecossistemas espontâneos (Silva Neto, 2016, 2017). Entretanto, a atividade das agroindústrias no campesinato é objeto de contradição frente ao Estado brasileiro, dado que a atividade proporciona elementos para a promoção da sustentabilidade, mas encontra-se em situação de ilegalidade quanto ao quesito de licenciamento ambiental.

Nesse contexto, este trabalho tem o objetivo de discutir, a partir de uma perspectiva ecossocialista, a importância das agroindústrias rurais nas condições atuais do campesinato e sua relação com a política de gestão ambiental do Estado brasileiro na promoção da sustentabilidade ecológica. Trata-se de uma pesquisa exploratória, onde primeiramente é realizada uma discussão sobre a sustentabilidade ecológica e sua relação com a natureza do Estado, com base na obra de György Lukács; na segunda parte são discutidos alguns aspectos centrais da perspectiva ecossocialista adotada; na terceira parte realiza-se uma discussão sobre a sustentabilidade ecológica das agroindústrias rurais; na quarta parte do trabalho se faz uma análise da situação das agroindústrias rurais presentes no município de Cerro Largo frente a legislação ambiental vigente; e, ao final são apresentadas as conclusões.

A sustentabilidade ecológica e sua relação com a natureza do Estado

A natureza do Estado considerada neste trabalho baseia-se na obra de György Lukács, em especial no ensaio “O Processo de Democratização” de 1968. Nesse ensaio, com base no materialismo histórico, Lukács afirma que para a compreensão objetiva dos fenômenos histórico-sociais e das leis que os regem é necessário considerar que:

O ser-precisamente-assim é antes de mais nada, uma categoria histórico-social, ou seja, o modo necessário pelo qual se apresenta o jogo contraditório das forças socioeconômicas que operam em determinado momento no interior de um complexo social situado num estágio específico de seu desenvolvimento histórico. (Lukács, 2008: 84)

Em suas considerações Lukács toma com ponto de partida que “toda formação econômica, de um ponto de vista ontológico, é algo dotado de uma legalidade necessária e, ao mesmo tempo, de um ser-precisamente-assim histórico” (Lukács, 2008: 85); nisso, considera que as formas superestruturais, como a democracia, são constituídas do mesmo modo. Assim, a democracia não pode ser considerada algo único, estático, pois a pluralidade e a dinâmica das bases econômicas permite uma multiplicidade de formas desse sistema (Lukács, 2008).

Na superação do feudalismo a democracia burguesa surge essencialmente como resultado das mudanças nas relações socioeconômicas; nisso tem-se um enorme progresso na história da sociedade humana, pois o intercâmbio baseado nos valores de troca estabeleceu a relação entre Estado e sociedade civil em termos puramente sociais (Lukács, 2008). Entretanto, a nova superestrutura revelou-se o “Estado ideal” da burguesia, propício à acumulação de capital, que se impõe de forma contraditória às necessidades sociais (Lukács, 2008).

Nessa superestrutura o idealismo do Estado burguês pressupõe como base o materialismo da sociedade civil; tal contradição se estende ao indivíduo, pois esse compreende a oposição-unidade entre o “ser humano material” e o “cidadão ideal” (Lukács, 2008). Na medida em que as Constituições oriundas da Revolução Francesa rebaixam o cidadão à condição de servidor dos “direitos humanos”, elas admitem a real supremacia social do ser humano material; de modo que tal indivíduo considere as outras pessoas não a plenitude, mas o limite da sua liberdade; sendo essa a realidade social básica do capitalismo (Lukács, 2008).

Na supremacia do ser humano material sobre o ideal tem-se a tendência de o indivíduo “burlar” a superestrutura ideal para o atendimento de seus interesses particulares, bem como, de adequá-la às necessidades econômicas que assim vão surgindo (Lukács, 2008). Considerando que “o Estado de toda sociedade é uma arma ideológica para travar os conflitos de classe segundo o modo de pensar da classe dominante” (Lukács, 2008: 92), tais atos particulares são a base para um movimento de massa que promove o desenvolvimento do capitalismo no plano econômico; ou seja, nas palavras de Lukács:

Quanto mais o parlamentarismo, a realização central e mais típica deste idealismo estatal, torna-se aparentemente e formalmente autônomo em relação a vida real da sociedade, quanto mais se torna capaz de aparecer como puro órgão da vontade ideal do povo, tanto mais ele se torna adequado a servir como instrumento para implementar os interesses egoístas de grupos capitalistas – e isso precisamente sob a aparência de uma liberdade e igualdade ilimitada (Lukács, 2008: 93)

Nessa perspectiva, quanto ao meio ambiente, o Estado burguês defende a sustentabilidade no plano ideal, pretendendo impô-la a sociedade civil dentro dos limites dos interesses capitalistas. Do mesmo modo, isso resulta no aumento da contradição entre a sustentabilidade ecológica e a reprodução social, que prevalece sobre a primeira. Então, como também levantado por Löwy (2013) e Silva Neto (2017) a partir da obra de Lukács, percebe-se que a atual crise ecológica tem sua origem na dinâmica do sistema capitalista (como discutido no próximo item).

No Brasil a superestrutura compreende um complexo sistema institucional de gestão do meio ambiente, regido por um vasto aparelho legal que estabelece alguns instrumentos de intervenção do Estado para atingir os objetivos das políticas públicas; o licenciamento ambiental, por exemplo, impõe aos empreendedores privados e públicos requisitos para a planificação de projetos, alguns dos quais tem suas licenças negadas, ao passo que outros somente são aceitos mediante modificação ou com a execução de medidas mitigadoras e compensatórias dos impactos ambientais gerados pelo empreendimento (Sánchez, 2013: 78). Mas, apesar do forte arcabouço legal, o sistema de gestão ambiental brasileiro demonstra-se insuficiente na promoção da sustentabilidade ecológica. O fenômeno de “judicialização dos conflitos ambientais” surgido nas últimas décadas é uma das evidências dessa afirmação, conforme argumenta Losekann:

A crescente mobilização legal, no caso dos conflitos socioambientais, é um sintoma da dificuldade que o sistema representativo encontra para incorporar as agendas do ambientalismo em geral, principalmente quando ameaçam poderes econômicos com vínculos fortemente estabelecidos no sistema político brasileiro. Sintoma, também, da ineficiência e ineficácia de algumas instituições participativas que não são suficientes para incorporar tais demandas (Losekann, 2013: 312).

Losekann (2013) também comprova na análise do fenômeno de judicialização a complacência da administração pública em projetos de grande impacto ambiental de empresas brasileiras e multinacionais em detrimento do meio ambiente e dos interesses das classes mais vulneráveis da sociedade civil (pescadores, camponeses, indígenas, entre outros).

Fosse um fenômeno específico brasileiro, poder-se-ia argumentar que a incapacidade de fazer a gestão do meio ambiente estaria em falhas internas do sistema institucional. Entretanto, o jurista francês Antonie Garapon mostra que a judicialização dos conflitos ocorre em diversos países democráticos, tratando-se de um movimento que se converteu na “nova linguagem com a qual se formulam as demandas políticas que, desiludidas com um Estado inativo, se voltam maciçamente para a justiça” (Garapon, 2001: 39). Garapon ressalva que essa inversão de posições entre a justiça e o Estado traz pesadas consequências, pois expressa a divisão da sociedade e acentua os conflitos, prevalecendo os interesses particulares sobre o interesse público (Garapon, 2001). Com essas considerações percebe-se que a judicialização dos conflitos ambientais expressa o problema, mas não traz a solução. Assim, reitera-se que a promoção da sustentabilidade ecológica vai além da questão da gestão ambiental.

A perspectiva ecossocialista

A perspectiva ecossocialista adotada neste trabalho assume que a reprodução social e a sustentabilidade ecológica são determinadas por processos distintos: a reprodução na geração e circulação de valor e a sustentabilidade na dinâmica dos sistemas naturais. Os distintos processos geram contradições que, com o surgimento do capitalismo nas sociedades contemporâneas, acentuaram-se devido à alocação dos recursos baseada na acumulação de capital e não nas necessidades sociais (Löwy, 2013; Silva Neto, 2016, 2017).

Neste cenário a perspectiva ecossocialista busca a superação das contradições advindas do capitalismo, se distanciando das correntes marxistas produtivistas, com um projeto de emancipação que tem como objetivo a superação das relações alienadas que os seres humanos mantêm entre si e com a natureza. Traz uma proposta de alocação dos recursos baseada diretamente nas necessidades sociais, respeitando a dinâmica dos sistemas naturais, responsáveis pela matéria e energia que constituem os fluxos primários das riquezas das sociedades (Silva Neto, 2016, 2017).

A agroindústria rural e sua relação com a sustentabilidade ecológica

O conceito de “agroindústria rural” utilizado neste artigo é o mesmo adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), abrangendo a manufatura de

Produtos do estabelecimento agropecuário que foram beneficiados ou transformados, [...] em instalações próprias, comunitárias ou de terceiros, a partir de matéria-prima que tenha sido produzida no próprio estabelecimento ou que fora adquirida de outros produtores, desde que a destinação final do produto tenha sido dada pelo produtor. (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2018: 38)

Esse conceito difere a agroindústria rural dos complexos agroindústrias das grandes empresas alimentícias, especialmente pela autonomia do agricultor na produção e na destinação final dos produtos, seja para o consumo próprio ou para a comercialização. Assim, a agroindústria rural está diretamente ligada à atividade camponesa, sendo importante para a diversificação das atividades econômicas nessas unidades de produção a fim de reduzir a vulnerabilidade dos camponeses frente à hegemonia do modelo de produção agrícola uniforme dominado por certos grupos de capitalistas, também chamado de agronegócio (Silva Neto, 2017).

De acordo com Silva Neto (2017), na perspectiva ecossocialista, quando se tem a autonomia dos agricultores no processo de decisão tende à diversificação das atividades na unidade de produção; e na a agricultura camponesa, além de gerar maior valor agregado por superfície, tende à supera o agronegócio quanto à sustentabilidade ecológica, especialmente em função da baixa escala de produção. Isso porque a diversificação das atividades que compõem os sistemas de produção da agricultura camponesa

Permite que tais agricultores trabalhem em escalas menores, explorando as diferentes condições ecológicas e recursos disponíveis presentes nas suas unidades de produção em maior consonância com a dinâmica dos ecossistemas espontâneos, em contraposição à especialização e a produção em alta escala por meio de um uso intensivo de equipamentos e de insumos de origem industrial (Silva Neto, 2017: 132).

Além disso, a atividade é essencial aos camponeses, pois proporciona produtos de subsistência que, embora não sejam comercializados, são importantes quanto às vantagens econômicas, dado que o valor da produção de subsistência (medida pelo preço de consumo) é maior do que se ela fosse vendida no mercado. Nessa perspectiva, a agroindústria rural é importante para a reprodução social do campesinato e consequentemente para a manutenção da sustentabilidade ecológica na atividade agrícola.

Materiais e método

Este trabalho trata-se de uma pesquisa exploratória. Primeiramente foram levantadas as informações sobre o número de estabelecimentos agropecuários e tipos de produtos da agroindústria rural no município de Cerro Largo/RS. Os dados foram obtidos do Censo Agropecuário 2017, disponibilizados na página do IBGE na internet. Dispondo dessas informações, foi realizada uma análise documental dos dispositivos legais que regulamentam sobre o licenciamento ambiental desses estabelecimentos. Então, foi possível verificar em que situações essas agroindústrias são passíveis de licenciamento ambiental.

Na sequência se procedeu com a verificação da quantidade de licenças ambientais em vigor para a atividade de subsistência de maior exigência quanto ao licenciamento ambiental no município de Cerro Largo. A verificação se fez através da pesquisa na internet nas páginas da Prefeitura Municipal de Cerro Largo, responsável pela publicidade das licenças emitidas pelo Município, e da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (FEPAM) responsável pela publicidade das licenças emitidas pelo Estado. Então, ao final realizou-se a discussão sobre os resultados obtidos.

Resultados e discussão

São apresentadas na primeira coluna da Tabela 1 as informações sobre os estabelecimentos agropecuários com agroindústria rural no município de Cerro Largo e sobre o que é produzido nesses estabelecimentos. Importante observar que no levantamento do IBGE um estabelecimento pode produzir mais de um produto. Considerando que o município de Cerro Largo contava com 780 estabelecimentos agropecuários em 2017 (IBGE, n.d.), a grande quantidade de agroindústrias rurais pressupõe que a maior parte da produção é destinada à subsistência dos agricultores, com destaque para “pães, bolos e biscoitos”, “carne de bovinos (verde) ”, “carne de outros animais (verde) ” produzidos em mais de 500 estabelecimentos.

Tratando-se dos requisitos legais, a legislação ambiental brasileira compreende diversos dispositivos que visam a preservação do meio ambiente, esses são hierarquicamente dispostos a partir da Constituição Federal de 1988, que destaca:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988/2015: 156)

Em seguida, na hierarquia dos dispositivos legais tem-se a Política Nacional do Meio Ambiente, que tem por objetivo a “preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida” (Lei nº 6.938, 1981: par. 3) onde se destaca o artigo 10º: “A construção, instalação, ampliação e funcionamento de estabelecimentos e atividades utilizadores de recursos ambientais, efetiva ou potencialmente poluidores ou capazes, sob qualquer forma, de causar degradação ambiental dependerão de prévio licenciamento ambiental” (Lei 6.938, 1981: par. 107). Importante destacar que, dada a necessidade de licenciamento dos empreendimentos e atividades, aqueles que agem sem licença respondem por crime, considerando o artigo 60º Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605, 1998).

Na sequência tem-se a Lei Complementar nº 140 que define as atribuições de licenciamento ambiental para os Estados e Municípios. Sendo atribuição de licenciamento dos Municípios as atividades e empreendimentos que causam impacto ambiental em âmbito local (dentro da municipalidade); e, atribuição de licenciamento do Estado as atividades e empreendimentos que causam impacto ambiental em mais de um município dentro do Estado (Lei Complementar nº 140, 2011). No Rio Grande do Sul essas atividades e empreendimentos passíveis de licenciamento ambiental pelo Estado e pelos Municípios são atualmente classificadas pela Resolução CONSEMA nº 372 de 2018 (Conselho Estadual do Meio Ambiente [CONSEMA], 2018).

Tendo as informações sobre o tipo do produto das agroindústrias rurais de Cerro Largo, foram identificadas e relacionadas as atividades de produção necessárias presentes na Resolução CONSEMA 372/2018. Mas, para os produtos identificados pelo IBGE como “couros e peles”, “produtos de madeira” e “outros produtos” não foi possível a identificação das atividades de produção necessárias pois esses carecem de um maior detalhamento. Para os demais produtos, com a descrição das atividades identificou-se, também na Resolução CONSEMA 372/2018, os respectivos portes isentos de licenciamento ambiental. A relação dos produtos com as respectivas atividades, bem como os portes isentos de licenciamento também são apresentadas na Tabela 1.

Dentre todas as atividades, somente “matadouro/abatedouro” não possui porte isento de licenciamento ambiental, mesmo que para a subsistência dos agricultores. Então, considerando que a produção de “carne de bovinos (verde) ”, “carne de suínos (verde) ” e “carne de outros animais (verde) ” é realizada em 573, 442 e 618 estabelecimentos agropecuários, respectivamente; é esperado haver um número significativo de licenças ambientais vigentes para a atividade de “matadouro/abatedouro”.

Tabela 1. Produtos das agroindústrias rurais no município de Cerro Largo/RS, número de estabelecimentos, descrição da atividade relacionada e porte isento de licenciamento conforme a Resolução CONSEMA 372/2018.

Produto / nº de estabelecimentos

Descrição da atividade

Porte isento de licenciamento

Aguardente de cana / 5

fabricação de aguardente/licores/outros destilados

até 250 m²

Creme de leite / 56

beneficiamento e industrialização de leite e/ou seus derivados, exceto preparação de leite

até 250 m²

Doces e geleias / 425

fabricação de doces em pasta, cristalizados, em barra

até 250 m²

Farinha de mandioca / 1

fabricação de produtos derivados da mandioca

até 250 m²

Fubá de milho / 1

torrefação e/ou moagem de grãos

até 250 m²

Legumes e verduras (processadas) / 262

fabricação de conservas, exceto de carne e pescado

até 250 m²

Licores / 10

fabricação de aguardente/licores/outros destilados

até 250 m²

Manteiga / 55

beneficiamento e industrialização de leite e/ou seus derivados, exceto preparação de leite

até 250 m²

Melado / 211

fabricação de doces em pasta, cristalizados, em barra

até 250 m²

Pães, bolos e biscoitos / 565

padaria, confeitaria, pastelaria

até 250 m²

Polpa de frutas / 30

fabricação de conservas, exceto de carne e pescado

até 250 m²

Queijo e requeijão / 185

beneficiamento e industrialização de leite e/ou seus derivados, exceto preparação de leite

até 250 m²

Rapadura / 97

fabricação de doces em pasta, cristalizados, em barra

até 250 m²

Sucos de frutas / 250

fabricação de outras bebidas não alcoólicas

até 250 m²

Vinho de uva / 10

fabricação de vinhos

até 250 m²

Carne de bovinos (verde) / 573

matadouros/abatedouros

Carne de suínos (verde) / 442

matadouros/abatedouros

Carne de outros animais (verde) / 618

matadouros/abatedouros

Carne tratada (de sol, salgada) / 114

fabricação de derivados de origem animal , incluindo fabricação de embutidos e/ou preparação de carne e beneficiamento de tripas sem abate

até 250 m²

Embutidos (linguiças, salsichas, etc.) / 183

fabricação de derivados de origem animal , incluindo fabricação de embutidos e/ou preparação de carne e beneficiamento de tripas sem abate

até 250 m²

Couros e peles / 449

Produtos de madeira / 4

Outros / 4

Fonte: Elaborado pelo autor a partir dos dados do Censo Agropecuário 2017 (IBGE, n.d.), baseando-se na Resolução CONSEMA 372/2018.

 

Então, em seguida se procedeu com a verificação da quantidade de licenças ambientais em vigor para a atividade de “matadouros/abatedouros” no município de Cerro Largo. Nenhuma licença foi encontrada de estabelecimento com característica de agroindústria rural. É possível que uma parte dos agricultores fazem o abate em estabelecimentos de terceiros antes de realizar a comercialização, mas essa conduta não é viável aos camponeses para fins de subsistência devido aos fatores econômicos e logísticos, especialmente no caso dos pequenos animais, como frangos por exemplo. Logo, pode-se afirmar que no município de Cerro Largo pelo menos 618 estabelecimentos rurais estão ilegais quanto ao desempenho de atividades ligadas à agroindústria rural. Situação que evidencia a contradição entre a reprodução social dos camponeses e o Estado que se impõe na suposta intenção de preservar o meio ambiente.

Conclusões

A partir da perspectiva ecossocialista se percebe a importância do campesinato para o aumento da produção agrícola e promoção da sustentabilidade ecológica. Para tanto, esses pequenos agricultores necessitam de um Estado que viabilize sua atividade em contraposição aos interesses dos grupos capitalistas do agronegócio e das grandes empresas alimentícias. Porém, no caso brasileiro, sob a aparência de um “Estado ideal do povo”, o país submete-se cada vez mais aos interesses do capital, com a opressão das classes mais vulneráveis, onde se encontram os camponeses.

Neste trabalho também foi apresentada a importância da agroindústria rural na diversificação das atividades nas unidades de produção camponesas para reprodução social da classe e promoção da sustentabilidade ecológica. Entretanto, percebe-se que essa possibilidade de diversificação encontra dificuldades de efetivação nos instrumentos estatais de gestão ambiental, pois esses favorecem as grandes empresas na liberação de empreendimentos com alto impacto ambiental e marginalizam as atividades de subsistência dos grupos mais vulneráveis, conforme aqui foi demonstrado na situação dos agricultores de Cerro Largo, onde pelo menos 618 dos 780 estabelecimentos rurais do município desempenham atividades em situação ilegal.

Referências

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Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981 (1981). Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L6938compilada.htm

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[1] O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001.

 

[2] Mestrando em Desenvolvimento e Políticas Públicas na Universidade Federal da Fronteira Sul. Engenheiro Sanitarista e Ambiental pela Universidade Federal de Santa Catarina.Correo: fgpieniz@gmail.com

 

[3] Professor da Universidade Federal da Fronteira Sul. Doutor em Agricultura Comparada e Desenvolvimento Agrícola pelo Institut National Agronomique Paris-Grignon, França. Correo: bsilva@uffs.edu.br