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COOPERATIVA RURAL DE ALUNOS-REPÓRTERES: ESTÍMULO
AO EXERCÍCIO DO COOPERATIVISMO E DA COMUNICAÇÃO
CIDADÃ
Deise Anelise Froelich
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Universidade Federal da Fronteira Sul - Brasil
http://orcid.org/0000-0002-7633-8521
Recibido: 28/09/2019
Aprobado: 22/11/2019
Resumo
A consolidação de espaços de comunicação alternativa permite que povos
historicamente excluídos das grandes mídias passem a ter voz e a assumir o papel de
produtores e disseminadores de informação por meio de veículos próprios, contexto
apresentado nesta pesquisa. Por outro lado, percebe-se um esforço para que a educação,
em seus caráteres formal e não formal, ofereça oportunidades libertadoras de construção
de conhecimento e posicionamento democrático diante de questões que interessem ao
coletivo. É neste contexto que surgiu em uma escola do campo, no interior de Santa Rosa
(RS), uma Cooperativa Rural de Alunos-Repórteres, cujos associados têm a missão de
divulgar potencialidades, reivindicações e políticas públicas voltadas ao meio rural. Em
um processo democrático jovens estudantes, em sua maioria filhos de agricultores
familiares, aproveitam tecnologias da informação e da comunicação para produzir
1
Graduada em Comunicação Social Habilitação em Jornalismo pela Unijuí; Especialização em Tecnologias da Informação e
Comunicação pela UFSM; e Mestrado em Desenvolvimento e Políticas Públicas pela Universidade Federal da Fronteira Sul,
Campus Cerro Largo. Correo: deisefroel[email protected]
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conteúdos em jornal e blog próprios. A proposta central do presente estudo é, diante disso,
compreender de que forma, ao assumir o papel de aluno-repórter, o jovem pode contribuir
com a construção coletiva do conhecimento e o exercício da cidadania no meio rural, em
uma perspectiva de ação cooperada e democrática. A Cooperativa, enquanto organização
social, é resultado de um processo de educomunicação, que contemplou oficinas de
comunicação e cooperativismo. Com a autonomia oferecida aos alunos-repórteres
valorizou-se a diversidade de saberes que estão à disposição do coletivo, uma vez que os
educandos recebem a oportunidade de não apenas consumir informação, mas também
produzir, construir, debater e divulgar de acordo com as necessidades, anseios e interesses
de suas comunidades.
Palavras-chave: Comunicação. Educação. Cooperativa
Abstracts
The consolidation of alternative communication spaces allows people historically
excluded from the mainstream media to have a voice and to assume the role of producers
and disseminators of information through their own vehicles, the context presented in this
research. On the other hand, there is an effort for education, in its formal and non-formal
characters, to offer liberating opportunities for the construction of knowledge and
democratic positioning in the face of issues of interest to the collective. It is in this context
that a Rural Cooperative of Students-Reporters emerged at a rural school, in the
countryside of Santa Rosa (RS), whose members have the mission of publicizing
potentialities, demands and public policies aimed at the rural environment. In a
democratic process, young students, mostly children of family farmers, take advantage of
information and communication technologies to produce content in their own newspaper
and blog. The central purpose of this study is, therefore, to understand how, by assuming
the role of student-reporter, young people can contribute to the collective construction of
knowledge and the exercise of citizenship in rural areas, in a perspective of cooperative
action. and democratic. The Cooperative, as a social organization, is the result of an
educommunication process, which included communication and cooperative workshops.
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With the autonomy offered to student-reporters, the diversity of knowledge that is
available to the collective was valued, since students are given the opportunity not only
to consume information, but also to produce, build, debate and disseminate according to
their needs. , desires and interests of their communities.
Keywords: Communication. Education. Cooperative
Introdução
Foi junto a uma comunidade rural do interior de Santa Rosa, município do
Noroeste do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, que a presente pesquisa foi desenvolvida
a partir da experiência da Cooperativa Rural de Alunos-Repórteres (Cooperinfo Rural),
como estímulo ao exercício do cooperativismo e da comunicação cidadã.
Quando falamos em desafios da agricultura familiar no século XXI uma das
maiores preocupações, indubitavelmente, é a sucessão familiar rural e a permanência dos
jovens no meio rural. A decisão sobre a sucessão, no entanto, ocorre no cerne da família
e é sobre o jovem rural que recai a responsabilidade de dar sequência, ou não, ao trabalho
desenvolvido na propriedade de agricultura familiar, o que reflete diretamente no contexto
e na história das comunidades e da sociedade.
Essas famílias estão inseridas em comunidades rurais, onde o cenário é muitas
vezes de escolas do campo sendo desativadas pela falta de alunos ou infraestrutura.
Detrás deste cenário, um processo histórico com consequências como a nucleação de
escolas, o êxodo e desestímulo à sucessão familiar. O acesso limitado à informação
sobre políticas públicas que possam beneficiar aos jovens e suas famílias, que é
realidade em algumas localidades rurais, também gera pré-conceitos nas perspectivas
em relação ao meio rural como modo de vida e dificulta o acesso a programas que
podem fazer a diferença no futuro destes jovens.
Entretanto, ainda há jovens no meio rural, com potencialidades, anseios e sonhos
a serem estimulados. Construir novas possibilidades, assim como estimular o exercício
coletivo de tomada de decisões e engajamento social, foi a intenção da Assistência
Técnica e da Extensão Rural no Noroeste do Rio Grande do Sul, quando fomentou a
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proposta que culminou na formação da Cooperativa Rural de Alunos-Repórteres
(CooperInfo Rural), cuja história será relatada neste artigo. Além do estímulo à
organização social e à educação no campo, estes jovens são convidados a exercitar os
princípios do cooperativismo, fortalecendo-os em um tempo de profundas mudanças de
ordem econômica, política e cultural.
Entender como esta experiência fomentou a comunicação cidadã e o
cooperativismo permitirá que a iniciativa possa inspirar experiências semelhantes e que
outros jovens resgatem sua autoestima no meio rural.
Além disso, em um contexto de pesquisa-ação, teve-se como objetivos específicos
estimular o acesso à informação de modo a influenciar em decisões mais claras e
qualificadas em relação às atividades desenvolvidas no meio rural; incentivar o exercício
dos princípios do cooperativismo, a partir de laços dialógicos e solidários, entre
estudantes de escola do campo de modo a estimular a organização social, a
responsabilidade e a coletividade; consolidar a cooperativa de alunos-repórteres no meio
rural como uma nova forma de reflexão e valorização do local em que se vive; formar
alunos-repórteres, com autonomia para receber, refletir e produzir informação sobre o
meio em que vivem; inserir os jovens nas ações e decisões comunitárias e sociais; e
aproveitar as potencialidades da comunicação como ferramenta de promoção do exercício
do cooperativismo e da inclusão social.
Com isso, objetiva-se neste artigo, apresentar a forma como estes objetivos foram
alcançadas e refletir sobre como o cooperativismo como instrumento de organização
social e de conhecimento pode se aproximar, na prática, do um contexto das tendências
que agregam educação e comunicação.
O Cooperativismo como instrumento de organização social e de construção de
conhecimento
O cooperativismo surgiu como resposta a um contexto desolador: de desemprego,
fome e distúrbios sociais na chamada Revolução Industrial. O liberalismo vigente à época
condicionava às pessoas buscar suas próprias formas de sobrevivência. Foi através da
resiliência e da perspicácia dos tecelões de Rochdale que esta nova forma de organização
seria efetivada e consolidaria princípios que regem empreendimentos até os dias de hoje.
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O pontapé inicial, se daria numa tarde brumosa de novembro de 1843, quando o grupo de
flaneleiros desempregados, formado por 27 homens e uma mulher, se reuniram em
Rochdale, próximo à Manchester, na Inglaterra, para discutir formas de fugir à miséria
iminente (Holyoake, 1933: 16).
Entre as inúmeras ideias que surgiram, Robert Owen e William King, sugeriram a
criação de um armazém cooperativo de consumo, para facilitar o acesso à alimentação e
a outros produtos necessários para sua sobrevivência. Algumas regras importantes foram
lançadas: as compras deveriam ser à vista para não lesar as restritas economias que
possuíam; os dirigentes deveriam ser necessariamente conscienciosos, competentes,
gestores eficientes, sumamente idôneos e éticos em seus atos; os associados precisariam
se apresentar como solidários, leais à sua cooperativa. Assim, a sociedade com estatuto
próprio e um plano de trabalho que incluía ações educativas aos associados, registrada
em 28 de outubro de 1844, e que perdurou por meio século, ainda inspiraria milhões de
pessoas mundo afora. Em 1866 já eram aproximadamente 5.300 associados.
Desde os seus primórdios, o cooperativismo pauta-se nos valores éticos e sustentáveis
da cooperação, bem como em ajuda mútua, responsabilidade, democracia, igualdade,
equidade, solidariedade, honestidade, transparência, responsabilidade social e
preservação ambiental.
A importância e a necessidade de atuar de forma coletiva ainda é claramente
reconhecida nos dias de hoje, seja em ações simples do cotidiano até formas mais
complexas de cooperativismo. Mafessoli (2014) instiga a reflexão de que o indivíduo,
enquanto estado físico, é indivisível. A pessoa é plural. Estamos superando o indivíduo,
fechado nele mesmo, para viver a pluralidade como pessoas. Buscam-se tribos,
comunidades, redes sociais, ou seja, espaços de sentimento de pertença, de identidade
coletiva. É no coletivo que são pensadas, organizadas e desenvolvidas questões essenciais
para o desenvolvimento que irão refletir também na esfera individual dos sujeitos
envolvidos.
No entanto, para contribuir com o coletivo é preciso ser autônomo. Como bem lembra
Soares (2006: 7) sujeito autônomo “não faz o que o mestre mandou, mas entende que o
que precisa ser feito só tem sentido se decorrer de uma ação compartilhada, ou seja, se a
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ação for apresentada, discutida e, então, decidida coletivamente”. Para isso, é importante
que as pessoas tenham acesso a formas qualificadas de informação e de educação.
Tendências de Aliança entre Comunicação e Educação
A educação para todos não repousa apenas no acesso à escola. Para que ela seja
completa é necessário o acesso à aprendizagem com qualidade, adequada ao contexto
histórico, cultural e aos ideais da comunidade. Contribuem também valores como
solidariedade, cooperação e disciplina que conflitam com a solidão e o individualismo,
uma vez que o conhecimento se consolida no coletivo, em um processo construtivo.
Mafessoli (2014) destaca que a racionalidade faz parte de nossa espécie animal, está à
disposição. No entanto é bruta, se faz necessário lapidá-la. Enquanto a racionalidade é
intrínseca ao ser humano de forma individualizada, o conhecimento pressupõe construção
e, essa, se dá no coletivo.
Neste processo cabem novos papeis a professores, extensionistas e educandos. Os
dois primeiros assumem o papel de mediadores e os estudantes e agricultores passam a
ser protagonistas de suas realidades e do desenvolvimento rural. Freire enfatiza o respeito
imprescindível à autonomia do educando, enquanto ser que se sabe inconcluso e busca o
conhecimento. “O respeito à autonomia e à dignidade de cada um é um imperativo ético
e não um favor que podemos ou não conceder uns aos outros(Freire, 1996: 59).
Atualmente a quantidade de informações que chega até as pessoas, a todo momento,
é imensurável, no entanto, é a qualidade desta informação e a sua adequação ao contexto
que definirá seus efeitos. Discutir o acesso à informação e a informação em si torna-se,
neste contexto, um desafio importante para as escolas do século XXI.
Outras formas de educação, embora consideradas não formais, também estão em um
contexto de redesenho de suas metodologias, como é o caso da extensão rural, e tem
reconhecido a comunicação como aliada. Metodologias mais participativas permitem “o
desenvolvimento da consciência crítica e da capacidade dos atores sociais conceberem e
articularem um projeto histórico próprio(Ruas, 2007: 21).
Quando extensão e educação formal agregam-se em uma mesma perspectiva e
reconhecem a comunicação alternativa como forma de promover um contexto de
empoderamento coletivo, um caminho democrático e libertador passa a ser traçado.
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De modo geral, quando teorizadas, comunicação social e educação escolar, ainda são
colocadas em gavetas diferentes. Todavia, a educomunicação, enquanto prática,
reconhece a importância das duas esferas do conhecimento, e sugere aliá-las sob a
perspectiva da construção do conhecimento. No conceito de educomunicação, destaca-se
que as áreas são unidas, mas sobrepõe-se, um terceiro termo, a ação, sendo que segundo
o autor é “sobre ele que continua a recair a tônica quando a palavra é pronunciada, dando-
lhe assim, ao que parece, um significado particularmente importante(Soares, 2006: 3).
Trata-se de uma interlocução de saberes, em que todos contribuem sob uma
perspectiva multimidiática, pedagógica e democrática. Neste sentido, merece destacar-se
que “uma das tantas singularidades da Educomunicação é que ela se constitui justamente
das relações múltiplas que propicia (Soares, 2006: 4). Ou seja, busca-se a
horizontalização da comunicação e da educação, assim como a democratização do acesso,
da produção e da disseminação da informação.
A educomunicação, no entanto, vai para além da educação para os meios. Assimila
também a integração dos meios nas diferentes práticas pedagógicas. Utilizar destas
tecnologias como o rádio, o jornal, o blog e a TV dentro da escola, permite desenvolver
um processo de educomunicação, que torna a construção de conhecimento ainda mais
atrativa e democrática.
A educação escolar, neste sentido, não suprime os meios de comunicação, e os
meios de comunicação não substituem a educação escolar. Os dois têm perspectivas
diferentes, mas que se complementam na construção de conhecimento e no exercício da
cidadania.
Assim, também o meio rural que tem sido historicamente excluído de diversas
pautas, entre elas a comunicação de massa, precisa de atenção de modo a buscar caminhos
que colaborem com a percepção do direito a uma educação de qualidade e de comunicar-
se de forma autônoma, multidirecional. Meios próprios de produzir e disseminar
informação tem ganho força e, com isso, segundo Neumann (1990: 45), o povo tem a
oportunidade de contar sua vida e “assimila as leis e toma conhecimento de tudo que é
feito em benefício dos seus direitos. E ainda tem condições de passar à frente as
informações importantes para sua luta”.
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Materiais e métodos
Pela Sociologia Compreensiva de Mafessoli, que inspirou este trabalho, o
pesquisador atua como um repórter na investigação do seu objeto, o que lhe dá abertura
e liberdade para trabalhar com a pesquisa de caráter social, usando técnicas diversas, de
acordo com a realidade observada. Segundo o autor “há sempre uma dose de audácia
dedutiva em toda a obra autêntica(Mafessoli, 1988: 44).
O método observacional, segundo Gil (1999) corresponde a um dos mais
utilizados nas ciências sociais. Deste modo, de maio de 2013 a maio de 2019, foi realizado
o acompanhamento de todas as assembleias mensais da Cooperativa Rural de Alunos-
Repórteres (CooperInfo Rural) e observados o processo de desenvolvimento do conteúdo
do blog e do jornal, produzidos pelos estudantes, sob orientação de professor da área de
comunicação. Além disso, observou-se a forma como são estabelecidos os vínculos
cooperativistas e comunitários.
Em entrevista semiestruturada com os alunos-repórteres foram levantados
elementos para analisar o grau de autonomia destes estudantes no processo de construção
de conhecimento e no estímulo ao exercício da cidadania, por meio das produções para o
blog e o jornal, mantidos sob a curadoria da cooperativa estudantil. Também por meio da
entrevista, buscou-se avaliar a importância de o jovem assumir um novo papel em sua
comunidade, passando de receptor a produtor e difusor de informação.
Para embasar a reflexão de uma forma geral, a pesquisa bibliográfica foi inerente
aos diferentes momentos do estudo, com base em autores que abordam processos
alternativos de educação e de comunicação, bem como a educomunicação e o
cooperativismo.
Resultados e discussão
Inspirada na importância da agricultura familiar para a sustentabilidade da
sociedade e, sobretudo, na força que os jovens possuem de transformação e definição de
rumos, uma iniciativa culminou em 2013 na formação da Cooperativa Rural de Alunos-
Repórteres (CooperInfo Rural), sediada na Escola Estadual José Alfredo Nedel, situada
na Vila Sete de Setembro, interior de Santa Rosa (RS). As capacitações iniciais, antes da
formalização da cooperativa, foram nas áreas de comunicação, conduzidas pela
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assessoria de imprensa da Emater/RS-Ascar e por professores e estudantes do curso
técnico em Publicidade do Instituto Estadual de Educação Visconde de Cairu, e sobre
cooperativismo, ministradas pela equipe da Unidade de Cooperativismo da Emater/RS-
Ascar.
A experiência perdura ainda em 2019 na escola, que é a única que atende toda a
educação básica. Com o acompanhamento realizado desde as oficinas que culminaram
na formação da cooperativa formada por jovens de 13 a 17 anos até os seis anos
consecutivos a sua formação, foi possível perceber um empenho em promover debates e
ações que contribuam com os esforços de melhorias no processo de construção do
conhecimento, exercício da cidadania e valorização dos jovens rurais, com o
envolvimento da comunidade no debate de temas importantes para seu desenvolvimento
como políticas públicas, potencialidade do meio rural e sucessão familiar rural.
A ideia de formar alunos-repórteres surgiu a partir do reconhecimento da
necessidade do acesso à informação no meio rural para que as decisões pudessem ser mais
qualificadas e um processo mais democrático de construção de conhecimento e de
exercício da cidadania fosse consolidado. Muitas vezes se tinha acesso à informação, mas
de forma mais superficial, com dados que não davam conta das peculiaridades do local.
A produção da pauta e encontros dos associados acontecem em horários extra-
classe, na sede da Escola Estadual José Alfredo Nedel, de onde todos são estudantes ou
egressos. A assembleia mensal conta com participações de representantes da Emater/RS-
Ascar e, esporadicamente, da direção da escola, que são consultados em caso de
orientações sobre a condução de pautas e questões burocráticas do funcionamento de uma
cooperativa. Desta forma, o deslocamento é feito com o transporte escolar tradicional e,
quando necessário, com o apoio de familiares. No caso dos formandos do Ensino Médio
ou jovens que se transferem para outras escolas, o estatuto da cooperativa prevê a
possibilidade de continuar sócio, desde que não apresente três faltas consecutivas em
assembleias e tenha interesse em continuar contribuindo com as ações das cooperativas.
Com estatuto social definido, diretoria eleita e livros de atas, presenças e caixa
atualizados, a cooperativa passou a exercer seus propósitos permeados pela missão de
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divulgar informações sobre políticas públicas, demandas e potencialidades do meio rural.
Os conteúdos produzidos pelos próprios alunos-repórteres, a partir de entrevistas e
informações coletadas com moradores de suas comunidades e especialistas, refletem a
realidade em que vivem e são publicados em um blog e jornal – J.I Rural - próprios.
Assim, filhos de agricultores familiares passam a não apenas receber informação,
mas também produzem, discutem e disseminam informação. As entrevistas são
conduzidas e os textos produzidos pelos próprios alunos, contando com revisão
gramatical, quando necessário, da assessoria local de comunicação da Emater/RS-Ascar
e da direção da Escola José Alfredo Nedel. Quando vão a campo coletar as informações
para a produção de notícias, geralmente usam uma camiseta da cooperativa, custeada
pelos próprios associados, identificando-os como “alunos-repórteres”. Para o
desenvolvimento das notícias são utilizados materiais próprios como blocos, canetas e
celulares. O acesso à internet e aos computadores ocorre no laboratório de informática da
escola e nos casos em que é possível, na residência dos alunos-repórteres.
A impressão do jornal, que é o principal custo da cooperativa, é paga por meio de
anúncios de patrocinadores do comércio local, comercializados pelos próprios estudantes,
e recentemente passou a contar com apoio financeiro da Associação de Pais e Mestres da
escola. A participação de patrocinadores depende do esforço e disponibilidade de tempo
dos alunos-repórteres em buscá-los.
Produzir um jornal e um blog com informações de sua comunidade instiga a
desafios e até mesmo à necessidade de sair da “zona de conforto”, refletir sobre o lugar
em que se vive e até mesmo intervir. É o que os alunos-repórteres fazem em muitos
momentos: além de propor mudanças em sua realidade, muitas vezes assumem o papel
de líderes perante a comunidade, com participação em capacitações e organização de
eventos. O crachá e a camiseta são mais do que uma identificação, remetem ao novo papel
assumido perante a comunidade e o orgulho em desempenhá-lo. Agora, por muitos,
passam a ser reconhecidos como facilitadores e mediadores do processo de construção de
conhecimento e do exercício da cidadania, uma vez que promovem o acesso a
informações sobre políticas públicas, preocupações e potencialidades do meio rural, que
contribuem nas decisões comunitárias.
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O envolvimento comunitário é uma das variáveis de maior destaque da formação
da cooperativa de jovens rurais. As informações divulgadas no blog e no jornal, com
periodicidade bimestral e que é distribuído gratuitamente, instigam a reflexão da
comunidade sobre soluções e caminhos a serem seguidos para a melhoria da qualidade de
vida local.
As famílias dos alunos-repórteres, de modo especial, costumam receber e arquivar
o material impresso como parte da memória familiar. As políticas públicas e informações
do meio rural são recebidas com maior receptividade, afinal, são os seus filhos, irmãos,
primos, vizinhos, cunhados, conhecidos, pessoas de seu convívio e confiança que
produzem aquele material.
O número de informações que são disseminadas diariamente é imensurável, no
entanto, os conhecidos meios de comunicação de massa, muitas vezes, nãoo conta dos
anseios do local. Uma comunicação massiva, padronizada, ditada pela agenda setting, se
fortalece em detrimento de peculiaridades locais, em especial do meio rural. Neste
contexto, um espaço de comunicação alternativa, como este que tem se firmado, pode ser
a porta para a visibilidade, valorização e o atendimento de demandas comunitárias.
No caso da CooperInfo Rural não se trata de um jornal, por exemplo, feito na
comunidade, apenas. É feito pela e com a comunidade. Por meio deste processo é possível
descentralizar poderes e exercer a cidadania em espaços organizados e qualificados, a
exemplo da cooperativa.
Entre as pautas desenvolvidas ao longo dos seis anos do Jornal J.I Rural e do
blog da cooperativa estão tecnologias para o meio rural, políticas públicas, resgate da
memória local, alternativas de renda, utilização adequada de recursos naturais, segurança
e soberania alimentar, alternativas de base ecológica e propostas para a preservação da
saúde e do meio ambiente. Os materiais produzidos são resultado das discussões nas
assembleias e de sugestões apresentadas pela comunidade. Por isso da decisão de
estimular a organização em cooperativa, com o intuito de formar laços solidários, de
respeito ao coletivo e de participação democrática.
A disseminação das informações, por meio do blog e do jornal, também conta com
o auxílio de voluntários da escola e da comunidade, além de extensionistas rurais, que
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contribuem na distribuição do jornal impresso e na divulgação oral e virtual do que está
postado no blog. Essa promoção do acesso à informação com vistas a qualificar as
decisões da comunidade e, consequentemente, gerar melhores condições de vida está
intimamente ligado ao exercício da cidadania.
A dinâmica do blog faz com que a interatividade desencadeou, nos primeiros três
anos, um processo recíproco e interdependente, que permite que os alunos-repórteres
provoquem a construção de conhecimento e o exercício da cidadania no coletivo. Com o
fortalecimento das redes sociais, o conteúdo passou a migrar para uma página na rede
social Facebook, onde o conhecimento é construído de forma coletiva à medida que é
possível transmitir o feedback, gerar e dar continuidade a debates por meio de diferentes
espaços, em especial dos comentários nas postagens.
É importante ressalvar, entretanto, que embora o blog e o Facebook permitam o
acesso e a interatividade, o material impresso continua sendo uma interessante ferramenta
para chegar àqueles que não possuem acesso à internet, o que ocorre em especial nas
comunidades rurais mais longínquas. Além disso, em alguns casos, as informações
tornam-se mais perenes quando impressas, à medida que podem ser mais facilmente
arquivadas para posterior manuseio.
A produção e a divulgação de informações geram um importante
comprometimento com a realidade, não apenas dos alunos, mas principalmente da
comunidade onde estão inseridos. A qualidade do que é produzido depende justamente da
reflexão que é feita sobre a realidade, levando o repórter, inserido num processo
alternativo de comunicação, a observar de forma mais crítica o contexto onde está
inserido, com o apoio da comunidade. Essa criticidade provoca a reflexão e, em muitos
casos, surtiu intervenções. Em ações como campanhas solidárias, doação de livros,
organização de eventos e revitalização de espaços públicos, houve a coordenação e a
participação de alunos-repórteres.
Além disso, a busca e a divulgação da informação estimulam a interação destes
jovens com suas famílias. E é na família e em suas propriedades que muitos destes alunos-
repórteres buscam subsídios para desenvolver suas pautas, provocando o diálogo entre os
seus membros e motivando a valorização do local em que vivem. Surge então a
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oportunidade de estabelecer também um canal de diálogo que pode influenciar para o
surgimento de novos debates como da sucessão familiar.
Considerações finais
As escolas, ambientes formais de educação, são desafiadas a atender a novas
gerações, inseridas em um processo fluido tecnológico e de comunicação, com
metodologias de ensino que atendam os diferentes estilos de aprendizagem. As escolas
do meio rural, entretanto, ficaram por muitos anos engajadas em um projeto educativo
voltado às dinâmicas e realidades urbanas, o que pode ter refletido, inclusive, no
movimento de êxodo rural. O processo de ensino em escolas do campo, quando
realizado sem comprometimento com a realidade dos estudantes, acaba reforçando a
ideia de que o sucesso profissional consiste em deixar o meio rural e abandonar a sua
identidade de agricultor.
Por outro lado, a extensão rural, enquanto agente de educação, embora não formal, e
com o foco voltado ao aproveitamento de metodologias participativas para o
desenvolvimento rural sustentável, também se torna responsável por auxiliar no
processo de valorização do meio rural entre os jovens e adultos que nele residem.
Assim, escolas e extensão rural têm a oportunidade de aliar-se em ações educativas que
contribuam para o desenvolvimento rural sustentável do Rio Grande do Sul, conforme
enfatiza a missão da Emater/RS-Ascar.
Neste sentido, um esforço do Poder Público e das próprias escolas na
adequação dos currículos. Os métodos de ensino mais voltados à realidade do educando,
que vem sendo abordados, são claras iniciativas de romper com a falta de
comprometimento que existiu entre a educação e o meio rural, assim como entre a
educação e a valorização do trabalho que é realizado pelo homem do campo. Nos últimos
anos foram diversas as políticas públicas, inclusive de formação continuada de
professores, que surgiram para contribuir com as mudanças e atender às demandas das
escolas do campo. No entanto, a transformação, para ocorrer, precisa ser incorporada em
primeiro lugar pelo educador e pelo educando e, a posteriori, pela sociedade como um
todo.
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O cooperativismo, através de seus princípios que em grande parte valorizam a
ação solidária, mostra-se como um importante instrumento para aliar interesses coletivos
de uma educação mais qualificada e de um acesso à informação que atenda os anseios do
local.
Referências
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